TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020

497 acórdão n.º 393/20 oposição à sua renovação) podem vir a culminar, como, aliás, o demonstra o caso dos autos, com a cessação do contrato de arrendamento para habitação que foi celebrado muito antes da entrada em vigor do RAU, ou seja, num quadro legal em que o contrato tinha caracter vinculístico, colocando-se, pois, nesse contexto, em causa as expecta- tivas dos arrendatários, sendo certo que estes podem, como é o caso dos autos, serem pessoas já com alguma idade (65 anos ou mais), sujeitas a alguma vulnerabilidade e com dificuldades em obter no mercado de arrendamento uma alternativa compatível com os seus rendimentos, sabendo-se, como se sabe, que muitas destas pessoas auferem pensões de reforma ou apoios sociais de reduzido valor. Ora, neste contexto, sucede que, como decorre do citado artigo 26.º, n.º 4, al. a) do NRAU, na redação da Lei n.º 31/2012, e ao contrário do que sucedia na redação original do NRAU (Lei n.º 6/2006 – artigo 26.º, n.º 4, al. a) , no próprio RAU [artigo 107.º, al. b) e, antes deste, decorria já do preceituado no artigo 2.º, al. b) , da Lei n.º 55/79 de 15.09, deixou, a partir da entrada em vigor daquela Lei n.º 31/2012, de ser aplicável a previsão da alínea b) do artigo 107.º do RAU, ou seja, deixou de constituir facto impeditivo à denúncia do contrato de arren- damento para habitação anterior ao RAU, a circunstância de o arrendatário, à data em que a denúncia produziria os seus efeitos, se manter no arrendado há mais de 30 anos, nessa qualidade, qualidade que era extensível ao côn- juge (do arrendatário) a quem tal posição se tivesse transferido, como é o caso da Recorrente, sendo considerado a seu favor o tempo de que o transmitente já beneficiasse (artigo 107º, n.º 2, do RAU). Dito de outro modo, como se refere no AC TC n.º 297/2015, publicado no DR, II série de 7.07.2015, da alteração do artigo 26.º, n.º 4 al. a) , introduzida pela Lei n.º 31/2012 (eliminação da remissão para a alínea b) do artigo 107.º do RAU) e da sua aplicação retroativa aos contratos de arrendamento para habitação celebrados antes do RAU por força do preceituado nos artigos 26.º e 28.º, n.º 1, do NRAU, «resulta, a contrario , que passou a ser desconsiderada a circunstância de o arrendatário permanecer no local arrendado continuamente por período supe- rior a trinta anos», mesmo nos casos «em que já tivesse decorrido integralmente, no domínio da versão originária do citado artigo 26.º, n.º 4, e da alínea b) do n.º 1 do artigo 107.º do RAU, o tempo de permanência do arrenda- tário no local arrendado», ou seja, mesmo quando, à data de entrada em vigor da Lei n.º 31/2012, os arrendatários já tivessem adquirido o direito à permanência no local arrendado com base na lei em vigor. De facto, como se refere no AC TC n.º 297/15, em moldes que julgamos ser aplicável à própria transição do contrato de arrendamento para o NRAU – pois que esta transição consente, em certas circunstâncias, como as que ora ocorrem, que seja posto termo ao contrato de arrendamento por oposição à sua renovação pelo senhorio -, «o que está em causa é, verdadeiramente, a retroatividade da alteração legislativa, sendo sobre ela que que há de recair o juízo de desconformidade ou não desconformidade constitucional. Na verdade, desacautelando os interesses dos arrendatários de longa duração, (o legislador) tornou imediatamente irrelevante, no plano da manutenção do contrato, aquela circunstância (de o arrendatário permanecer continuamente no arrendado há mais de 30 anos), debilitando insuportavelmente a situação jurídica dos arrendatários, mesmo que o prazo de trinta anos já tivesse transcorrido por completo à data de entrada em vigor da Lei n.º 31/2012 e os arrendatários tivessem, por tal motivo, adquirido direito à permanência no arrendado com base na lei então em vigor.» Ou seja, as normas em causa – artigo 26º, n.º 4 al. a) ex vi do artigo 28º, n.º 1, do [N]RAU, na redação da Lei n.º 31/2012, ao eliminarem a hipótese prevista na alínea b) do artigo 107.º do RAU, violam o direito que, com o decurso do tempo, os arrendatários tinham adquirido a permanecer no arrendado sem o risco de denúncia ou de oposição à renovação do prazo nele previsto, ambos conduzindo à cessação do contrato de arrendamento – e, com isso, violam, aquele mínimo de certeza e segurança que os cidadãos devem poder depositar na ordem jurídica de um Estado de Direito. Na verdade, importa sublinhá-lo, não está aqui em causa que o legislador ordinário possa alterar o regime do contrato de arrendamento para habitação. O legislador, como se sublinha, no AC TC n.º 559/98, citando o AC n.º 352/91 do mesmo Tribunal, ambos disponíveis in wwww.tribunalconstitucional.pt , «não está obrigado, em regra, a manter as soluções jurídicas que alguma vez adotou. Notas típicas da função legislativa são, justamente, entre outras, a liberdade constitutiva e a auto-revisibilidade. Por isso, salvo nos casos em que o legislador tenha que deixar intocados direitos entretanto adquiridos, não está ele obrigado a manter as soluções consagradas na lei

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=