TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020
491 acórdão n.º 393/20 VI - Da dimensão negativa do direito à habitação – que importa considerar no caso presente – não decor- re para o legislador, em matéria de conformação do regime do arrendamento habitacional, uma «obrigação geral de manter as soluções jurídicas anteriormente estabelecidas», sempre que mais favoráveis à posição do arrendatário; o que dela para o legislador resulta é o dever de, ao definir, em cada momento histórico, a política habitacional a empreender e, sobretudo, ao selecionar os meios de promoção e regulação da oferta e/ou da procura habitacional necessários para esse efeito, se abstenha de o fazer em termos tais que admitam a privação arbitrária, sem fundamento razoável ou em condições desproporcionadamente onerosas da habitação alcançada através do contrato de arrendamento. VII - Reconduzindo-se ao direito do arrendatário a não ser arbitrariamente privado da habitação a que acedeu por essa via, a posição jusfundamental afetada pela norma sindicada apresenta uma natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias; além de apresentar a estrutura típica dos direitos de defe- sa, constitui um pressuposto material da possibilidade de efetivação dos demais direitos e liberdades inerentes ao estatuto do ser-pessoa, beneficiando, também nessa medida, da proteção conferida pelo regime próprio dos limites às leis restritivas que se encontra definido no artigo 18.º da Constituição, em particular pelo princípio da proibição do excesso acolhido no respetivo n.º 2, que supõe que a medida seja adequada aos fins que através dela se prosseguem; que essa medida seja exigida para alcan- çar os fins em vista, por o legislador não dispor de outros meios menos restritivos para assegurar o mesmo desiderato; e, por fim, que o resultado obtido seja proporcional à carga coativa que a medida comporta, aferida pelo grau de afetação da posição jusfundamental em causa. VIII - No caso presente, não está em causa a possibilidade, em si mesma, de o legislador admitir ou promo- ver a transição para o NRAU de contratos de arrendamento celebrados antes da vigência do RAU, dentro de certos limites e sob determinadas condições; também não está em causa a possibilidade, em si mesma, de, com vista a assegurar uma definição efetiva e célere do estatuto do arrendamento, o mesmo legislador atribuir valor negocial positivo ou efeito cominatório pleno ao silêncio do arren- datário, quando interpelado pelo senhorio através da comunicação que desencadeia o procedimento extrajudicial tendente a fazer transitar o vínculo locatício para o NRAU; a medida implicada na nor- ma sindicada – e cuja adequação, exigibilidade e proporcionalidade cumpre aferir, tendo em conta os fins prosseguidos pela Lei n.º 31/2012 – é a que resulta da convergência de três elementos: falta de resposta do arrendatário à comunicação do senhorio; aceitação da proposta por este apresentada quan- to ao valor da renda, tipo e duração do contrato, e transição do mesmo para o NRAU; dispensa de esclarecimento prévio do arrendatário quanto às faculdades que lhe assistem e, em especial, à relação que a lei estabelece entre aqueles dois primeiros elementos. IX - Relativamente aos contratos celebrados em data anterior a 15 de novembro de 1990 (data da entra- da em vigor do RAU), a redefinição do estatuto de vínculo locatício à luz da evolução entretanto registada no ordenamento jurídico constitui, do ponto vista de avaliação política levada a cabo pelo legislador de 2012, uma medida funcionalmente adequada e até necessária à dinamização do mercado de arrendamento e esta constitui fim legítimo, no sentido em que interessa a toda a comu- nidade; a atribuição de um efeito positivo à eventual inércia do arrendatário constitui, no âmbito da conformação do procedimento extrajudicial regulado nos artigos 30.º a 37.º do NRAU, um mecanismo idóneo e exigível – ou mesmo até um mecanismo sem alternativa facilmente antecipá- vel – para evitar a frustração, por ato unilateral do primeiro, do mecanismo de natureza negociada instituído para aquele fim.
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