TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020
490 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL II - Ao invés do que sucede com os contratos sem duração limitada celebrados durante a vigência do RAU – os quais, apesar de passarem a estar submetidos ao NRAU, ficam sujeitos à disciplina prevista para os contratos de duração indeterminada –, os contratos celebrados antes da vigência do RAU, ao transitarem para o NRAU, podem converter-se, por força do mecanismo especial de transição previsto nos artigos 30.º a 37.º do NRAU, em arrendamentos com prazo certo, com implicações do ponto de vista tanto da duração efetiva do arrendamento como do valor da renda; a efetiva extensão dessas implicações depende em larga medida dos termos em que o arrendatário reaja à comunicação endereçada pelo senhorio e, na hipótese de se verificar alguma das circunstâncias pessoais suscetíveis de obstar à própria “transição” imediata do contrato para o NRAU, de a mesma ser ou não atempadamente invocada perante aquele. III - Caso o arrendatário não responda à comunicação do senhorio, o contrato celebrado ao abrigo do regime vinculístico converter-se-á automaticamente num contrato com prazo certo sempre que tiver sido esse o tipo contratual proposto pelo senhorio, com a duração e mediante o pagamento do valor da renda que este tiver indicado naquela comunicação; mesmo respondendo à comunicação do senhorio, o arrenda- tário que se limite a aceitar o valor da renda proposto ou a contrapor um valor alternativo que venha a ser aceite pelo senhorio verá em qualquer caso o contrato transformar-se num contrato com prazo certo, com a duração de cinco anos, sempre que inexistir acordo das partes acerca do tipo ou da duração do arrendamento; o locatário que, não obstante se encontrar em alguma das situações de especial vulnerabi- lidade contempladas no n.º 4 do artigo 31.º a não invoque na resposta àquela comunicação, verá auto- maticamente precludida a faculdade de condicionar a transição do contrato para o NRAU, garantindo o seu diferimento pelo prazo de cinco anos em caso de insuficiência económica, ou frustrando-a pura e simplesmente se, como sucede no caso sub judice , tiver completado já 65 anos de idade ou for portador de deficiência com grau comprovado de incapacidade superior a 60%. IV - A norma que integra o objeto do presente recurso diz respeito à medida das consequências que a lei associa à inobservância pelo arrendatário, não do ónus de comprovação de circunstâncias pressupostas pela aplicação do regime de exceção previsto para situações de especial vulnerabilidade atempadamen- te invocadas perante o senhorio, mas do próprio ónus de reação à comunicação com que este dá início ao procedimento negocial tendente a operar a transição para o NRAU; está em causa saber se a falta de resposta àquela comunicação pode valer como aceitação da proposta do senhorio quanto à transição do contrato de arrendamento para o NRAU, ao tipo de contrato, à sua duração e ao valor da renda, sem que ao arrendatário tenham sido comunicadas as alternativas de que dispõe – isto é, as faculdades que lhe permitem condicionar, diferir ou até mesmo frustrar a transição do contrato para o NRAU – e sem que o mesmo tenha sido previamente advertido do efeito que a lei atribui ao seu eventual silêncio. V - Quer seja encarada como um problema relativo aos limites da intervenção do legislador na seleção e conformação dos procedimentos negociais compatíveis com a atribuição de eficácia declarativa ao silêncio de uma das partes, quer o seja como um problema respeitante à margem de discricionariedade legislativa no estabelecimento dos ónus que informam o procedimento e das cominações ou preclu- sões que resultam da sua inobservância por qualquer dos intervenientes, a questão de constituciona- lidade que cumpre resolver não difere na sua essência: trata-se, em qualquer dos casos, de verificar se o legislador se encontra constitucionalmente autorizado, desde logo em face do direito à habitação consagrado no n.º 1 do artigo 65.º da Constituição, a estabelecer uma relação de causa-efeito entre a inação do arrendatário e a conversão do vínculo locatício no contrato proposto pelo senhorio, sem que o primeiro tenha sido previamente informado das faculdades que lhe assistem na reação a essa proposta e advertido das consequências que a lei associa à sua eventual inércia.
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