TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020

485 acórdão n.º 392/20 República, os artigos 821.º, n.º 1, e 824.º, n.º 1, alínea b), e n.º 2, do Código de Processo Civil, na inter- pretação segundo a qual são penhoráveis as quantias percebidas a título de rendimento mínimo garantido». Fê-lo por considerar que: «No caso da prestação em análise – cujo montante equivale, nas suas finalidades e montante, ao mínimo indispensável para uma existência condigna do titular e seu agregado familiar –, só […] a salvaguarda da totalidade da prestação em face da penhora pode considerar-se bastante para garantir a dignidade humana do devedor e seu agregado (devendo considerar-se irrelevante também a consideração da natureza da dívida exequenda, designada- mente, do título de aquisição do crédito)». Tal orientação foi reafirmada no Acórdão n.º 306/05, que julgou «inconstitucional, por violação do princípio da dignidade humana, contido no princípio do Estado de direito, com referência aos n. os 1 e 3 do artigo 63.º da Constituição, a norma da alínea  c) do n.º 1 do artigo 189.º da Organização Tutelar de Menores, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de outubro, interpretada no sentido de permitir a dedução, para satisfação de prestação alimentar a filho menor, de uma parcela da pensão social de invalidez do progenitor que prive este do rendimento necessário para satisfazer as suas necessidades essenciais». No referido aresto, o Tribunal explicitou a dimensão negativa do direito a um mínimo de subsistência condigna nos seguintes termos:  «No caso, a vertente que pode ser posta em causa pelo não reconhecimento de um montante mínimo imune à dedução forçada, aliás como nos demais em que estava em causa a constitucionalidade da penhora de pensões ou salários, é a chamada dimensão negativa da garantia do mínimo de existência, isto é o reconhecimento de um direito a não ser privado do que se considera essencial à conservação de um rendimento indispensável a uma exis- tência minimamente condigna.» No caso presente, está em causa a possibilidade de o Estado privar o militar reformado do valor corres- pondente a dois terços da sua pensão de reforma, a título de sanção disciplinar. Ao contrário do rendimento social de inserção e da pensão de viuvez, cujas prestações são asseguradas pelo sistema social de cidadania, de natureza não contributiva [artigos 26.º e 41.º, n.º 1, alíneas a) e b) , da Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro, que estabeleceu as Bases Gerais do Sistema de Segurança Social], a pensão de reforma inscreve-se no âmbito do sistema previdencial da Segurança Social, fundamentalmente autofi- nanciado através das contribuições realizadas pelos beneficiários e seus empregadores (artigo 54.º), visando «garantir, assente no princípio de solidariedade de base profissional, prestações pecuniárias substitutivas de rendimentos de trabalho perdido em consequência da verificação das eventualidades legalmente definidas» (artigo 50.º). A par disso, a afetação da prestação pecuniária de que é titular o recorrente ocorre no presente caso, não no contexto da cobrança coerciva de créditos civis, mas a título de pena disciplinar e, portanto, em resultado do exercício pelo Estado-administrador do respetivo poder sancionatório. Fora daquele que será já o âmbito próprio de um juízo de proporcionalidade, a diferente natureza da prestação em causa, assim como a distinta finalidade prosseguida através da sua afetação, não são, contudo, determinantes. O problema para que remetem os artigos 1.º e 63.º, n.º 3, da Constituição, é, aqui como ali, o de saber se o Estado pode privar temporariamente o titular de determinada prestação periódica, auferida a título de rendimento laboral ou de pensão, de uma fração predefinida e fixa do montante que lhe cor- responde, independentemente de qual seja o valor residual que subsista e, consequentemente, do nível de vulnerabilização a que é (ou pode ser) dessa forma sujeita a garantia constitucional do mínimo necessário a uma existência condigna. 12. [13.] Para responder negativamente a tal questão, o tribunal recorrido – na linha, aliás, da orienta- ção sufragada nos Acórdãos n. os  858/14, 611/16 e 660/19 – formulou um juízo de ponderação baseado no

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