TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020
484 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 11. [12.] O tribunal recorrido recusou a aplicação da norma sindicada por considerá-la «desconforme com o princípio da proporcionalidade e por não salvaguardar um rendimento mínimo de subsistência em respeito pelo princípio da dignidade humana (artigos 1.º e 2.º e 63.º da CRP)». A questão de saber se a Constituição salvaguarda o direito a um mínimo de existência condigna encon- tra-se desde há muito afirmativamente resolvida na jurisprudência deste Tribunal. Conforme se relembrou no Acórdão n.º 509/02: «Este Tribunal, na esteira da Comissão Constitucional (cfr. Acórdão n.º 479, Boletim do Ministério da Justiça , n.º 327, junho de 1983, pp. 424 e seguintes), tem vindo a reconhecer, embora de forma indireta, a garantia do direito a uma sobrevivência minimamente condigna ou a um mínimo de sobrevivência, seja a propósito da atuali- zação das pensões por acidentes de trabalho (Acórdão n.º 232/91, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 19.º vol., p.. 341), seja a propósito da impenhorabilidade de certas prestações sociais (designadamente, do rendimento mínimo garantido – Acórdão n.º 62/02, Diário da República , II Série, de 11 de março de 2002), na parte em que estas não excedam um rendimento mínimo de subsistência ou o mínimo adequado e necessário a uma sobrevivência condigna (cfr. Acórdão n.º 349/91, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 19.º vol., p.. 515; Acórdão n.º 411/93, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 25.º vol., p. 615; Acórdão n.º 318/99, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 43.º vol., p.. 639; e Acórdão n.º 177/02, Diário da República , I Série-A, de 2 de julho de 2002). […] Importa, porém, distinguir entre o reconhecimento de um direito a não ser privado do que se considera essen- cial à conservação de um rendimento indispensável a uma existência minimamente condigna, como aconteceu nos referidos arestos, e um direito a exigir do Estado esse mínimo de existência condigna, designadamente através de prestações, como resulta da doutrina e da jurisprudência alemãs. É que esta última considera que «do princípio da dignidade humana, em conjugação com o princípio do Estado social decorre uma pretensão a prestações que garan- tam a existência», sendo de incluir na garantia do mínimo de existência «as prestações sociais suficientes», nos termos da legislação sobre auxílio social (Horst Dreier, Grundgesetz Kommentar , Band I, Mohr Siebeck, Tübingen, 1996, pp.. 62 e 125-126); ou seja, que «o Estado está obrigado a garantir ao cidadão desprovido de meios, através de prestações sociais» os «pressupostos mínimos» para «uma existência humanamente digna» ( BverfGE , 82, 60 (85). […] Daqui se pode retirar que o princípio do respeito da dignidade humana, proclamado logo no artigo 1.º da Constituição e decorrente, igualmente, da ideia de Estado de direito democrático, consignado no seu artigo 2.º, e ainda aflorado no artigo 63.º, n. os 1 e 3, da mesma CRP, que garante a todos o direito à segurança social e comete ao sistema de segurança social a protecção dos cidadãos em todas as situações de falta ou diminuição de meios de subsistência ou de capacidade para o trabalho, implica o reconhecimento do direito ou da garantia a um mínimo de subsistência condigna.» Recortado a partir dos artigos 1.º, 2.º e 63.º, n. os 1 e 3, da Constituição, o direito a um mínimo de subsistência condigna, tal como densificado na jurisprudência deste Tribunal, tem uma dupla dimensão: uma dimensão negativa ou defensiva, que tem como seu correlativo a obrigação do Estado se abster de privar qualquer cidadão da garantia a um mínimo de subsistência condigna; e uma dimensão positiva ou prestacio- nal, que coloca o Estado no dever de assegurar «a todo o cidadão a perceção de uma prestação proveniente do sistema de segurança social que lhe possibilite uma subsistência condigna em todas as situações de doença, velhice ou outras semelhantes» ( idem ). Na jurisprudência constitucional, a dimensão negativa do direito a ummínimo de subsistência condigna tem sido particularmente considerada a propósito da (im)penhorabilidade dos rendimentos provenientes do trabalho por conta de outrem e das prestações devidas pelas instituições de segurança social. Na linha da orientação firmada no Acórdão n.º 318/99, o Tribunal, no Acórdão n.º 177/02, julgou inconstitucionais, «por violação do princípio da dignidade humana contido no princípio do Estado de direito, tal como resulta das disposições conjugadas dos artigos 1.º e 63.º, n. os 1 e 3, da Constituição da
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