TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020

483 acórdão n.º 392/20 9. [10.] Conforme notado pelo recorrente, a questão de constitucionalidade que integra o objeto do presente recurso tem óbvias afinidades tanto com aquela que foi apreciada no Acórdão n.º 858/14 – cujo juízo foi subsequentemente reiterado no Acórdão n.º 660/19 –, como com aquela que esteve na base do julgamento levado a cabo no Acórdão n.º 611/16. Todavia, diferencia-se de ambas no seguinte aspeto: enquanto as normas analisadas nos referidos arestos tinham por efeito a perda do próprio direito à pensão – no primeiro caso pelo período de quatro anos e, no segundo, de três –, a norma aqui sindicada determina a ablação, não integral, mas parcial, da pensão men- sal auferida pelo agente reformado, atingindo-a em fração correspondente a dois terços do seu valor, pelo período de quatro anos.  A pergunta a que importa responder é, por isso, a seguinte: do ponto de vista dos fundamentos que esti- veram na base do juízo positivo de inconstitucionalidade formulado naqueles arestos, assumirá tal elemento uma relevância, mais do que quantitativa, qualitativamente determinante ao ponto de justificar uma solução inversa àquela a que ali chegou, designadamente perante a defesa, nas palavras do Acórdão n.º 611/16, «dos princípios da dignidade da pessoa humana e da proporcionalidade, enquanto limite do poder disciplinar do Estado»? 10. [11.] Apesar de assegurar a preservação de um terço da prestação mensalmente auferida pelo agente, a solução constante da norma sindicada – que consiste, repete-se, na perda de dois terços da pensão mensal durante o período de quatro anos – não pressupõe nem se deixa condicionar por qualquer valor, mínimo ou máximo, de pensão. Significa isto que a contabilização do montante perdido e não perdido se encontra exclusivamente dependente da concreta importância mensalmente auferida a título de pensão pelo agente sancionado, sendo irrelevante a expressão pecuniária de um e de outro na determinação da percentagem afetável por efeito da aplicação da pena disciplinar. Ao contrário do que sucede com o regime da penhora de salários, prestações sociais ou indemnizações para satisfação coerciva de um direito de crédito – que, desde as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 38/2003, de 3 de março, no n.º 2 do artigo 824.º do velho Código de Processo Civil, não pode privar o executado, quando este não disponha de outro rendimento, do montante equivalente a um salário mínimo nacional –, a afetação da pensão do militar reformado por efeito da aplicação da pena disciplinar tem uma medida predefinida e não variável – corresponde sempre à supressão de dois terços do montante abonado pelo período contínuo de quatro anos –, sem qualquer abertura ou margem para ponderação do reflexo que poderá ter nas condições de vida daquele, particularmente nas situações em que o mesmo não disponha de qualquer outra fonte de sustento e, por ter cessado o seu período de vida ativa – e, com ele, a sua carreira contributiva – condições de razoavelmente a alcançar. Assim, se, no caso de pensões de reforma de valor mais elevado, o agente continuará porventura a poder dispor de uma prestação residual suscetível de acautelar as condições materiais necessárias a assegurar uma existência condigna, já no caso de pensões de reforma de valor mais baixo isso tenderá a não suceder, leve-se em conta o critério extraível do rendimento social de inserção, criado pela Lei n.º 13/2003, de 21 de maio, de que socorreu o Acórdão n.º 306/05 para delimitar a parcela do rendimento que não pode ser afetada ao pagamento da prestação de alimentos devidos a um filho (vide Acórdão n.º 312/07); ou, caso em que a conclusão se tornará ainda mais evidente, o critério correspon- dente ao salário mínimo nacional, invocado em jurisprudência anterior para delimitar o nível de impenhora- bilidade dos rendimentos provenientes de pensões sociais ou do trabalho (cf. Acórdãos n. os  177/02 e 96/04). De todo o modo, considerada a forma como o objeto do presente recurso se encontra definido, o que importa essencialmente reter aqui é que, num caso como no outro, a compatibilidade da sanção disciplinar substitutiva com a garantia a um mínimo de subsistência condigna não se encontra nem direta nem indire- tamente assegurada, tendo em conta que a afetação ocorre em medida correspondente a dois terços do valor mensalmente abonado, independentemente do montante concretamente percebido e sem que se encontre simultaneamente estabelecido qualquer reduto de intangibilidade.

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