TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020
480 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL de prestação alimentar a filho menor, de uma parcela da pensão social de invalidez do progenitor que o prive do rendimento necessário para satisfazer as suas necessidades essenciais (Acórdão n.º 306/05). Para concluir, em sentido oposto, pela não inconstitucionalidade de uma medida de perda de pensão aplicável a um funcionário aposentado em consequência da prática de infração disciplinar quando este se encontrava no ativo, o Tribunal deu particular relevo à diferente natureza da situação que está aí em causa. Neste caso, a afetação da pensão de aposentação não resulta de um ato de penhora, visando a satisfação coerciva de um direito de crédito não satisfeito voluntariamente pelo devedor, mas antes de uma pena disciplinar que visa prosseguir fins retributivos e de prevenção geral que ficariam definitivamente prejudicados pela isenção de pena em relação aos agentes da infração que passassem entretanto à situação de aposentados (Acórdão n. o 442/06). Além de que, como também se afirma, nos casos em que da aplicação do regime legal resulte a privação do mínimo considerado indispensável à garantia de uma sobrevivência minimamente condigna do pensionista, «sem- pre este poderá recorrer aos mecanismos assistenciais normais, previstos no ordenamento jurídico português, para fazer face a situações de inaceitável carência social, fazendo aí a prova da alegada situação de necessidade», daí se concluindo, em ponderação dos diversos interesses em presença, que não fica violado o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, quando se encontram disponíveis no sistema mecanismos que visam, no limite, assegurar uma sobrevivência minimamente condigna do pensionista. Este entendimento jurisprudencial, formulado a propósito do disposto no artigo 15.º do Estatuto Disciplinar de 1984, foi reiterado, em relação à precisa norma do artigo 26.º, n.º 1, alínea c) , do Regulamento de Disciplina da PSP, pelo Acórdão n.º 518/06, em que se afirma o seguinte: Na verdade, o julgamento desta questão distancia-se da solução encontrada quanto à satisfação de um direito de crédito. Aqui, estamos em presença de uma pena disciplinar que visa, dando satisfação a um interesse público, punir uma infração violadora de determinados deveres funcionais, ainda que praticada numa situação de aposentação, na execução da qual é admissível que o arguido suporte um incómodo que se repercuta nas suas condições de vida. Por outro lado, mesmo no caso em que da aplicação da norma resulte a privação do mínimo considerado indispensável à garantia de uma sobrevivência condigna, sempre o interessado poderá recorrer aos mecanismos assistenciais previstos no ordenamento jurídico, destinados a fazer face a situações de carência económica. Havendo mecanismos que visam assegurar uma sobrevivência minimamente condigna do cidadão, não poderá, com efeito, concluir-se que pela aplicação da questionada norma fica violado o princípio da dignidade da pessoa humana, ou qualquer outro previsto nos artigos 1.º, 19.º, 26.º n.º 3, 59.º, n. os 1, alínea f ), e 2, alínea a), e 63.º da Constituição, como alega o recorrente». Esta orientação jurisprudencial acabou por ser revista nos Acórdãos n. os 858/14, 611/16 e 660/19, que se pronunciaram pela inconstitucionalidade, com fundamento na violação do princípio da proporcionali- dade, ínsito no princípio do Estado de direito democrático consagrado no artigo 2.º da Constituição, do artigo 26.º, n.º 1, alínea c) , do Regulamento de Disciplina da Polícia de Segurança Pública (doravante desig- nado pela sigla «RDPSP»), aprovado pela Lei n.º 7/90, de 20 de fevereiro, na parte em que determina para os funcionários e agentes aposentados a substituição da pena de demissão pela perda total do direito à pensão pelo período de 4 anos (primeiro e terceiro arestos), bem como da alínea b) do n.º 1 do artigo 26.º daquele Regulamento, segundo a qual «a pena de aposentação compulsiva será substituída pela perda do direito à pensão pelo período de três anos» (segundo aresto). Os argumentos que justificaram essa alteração jurisprudencial foram explicitados no seguinte trecho do Acórdão n.º 858/14: «5. Ainda que deva reconhecer-se que a perda do direito à pensão como consequência da prática de infração disciplinar e a penhora de salários ou prestações sociais para satisfação coerciva de um direito de crédito se encon- tram subordinadas a razões de política legislativa com um diferente grau de relevância, o certo é que o direito fundamental a uma existência condigna, como emanação do princípio da dignidade da pessoa humana, quando seja aplicável a qualquer dessas situações, está sujeito a um mesmo critério de ponderação valorativa.
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