TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020

467 acórdão n.º 391/20 de direitos liberdades e garantias. Ou, ainda que a resposta à primeira questão deva ser negativa, se a medida prevista observa em qualquer caso as exigências de equilíbrio, ponderação e justa medida a que o princípio do Estado de direito, consagrado no artigo 2.º da Constituição, sujeita a atuação do poder legislativo. Em matéria de taxa de justiça, pode dizer-se que toda a contraprestação pecuniária cujo pagamento deva preceder a prática de certo ato processual ou, mais amplamente, a intervenção ou participação na lide do sujeito processual a tal obrigado, constitui uma forma de oneração do direito de acesso ao direito e aos tribunais. Ao impor ao litigante o encargo constituído pelo pagamento da taxa de justiça como condição da possibilidade de realização do seu interesse em provocar (ou reagir a) determinada intervenção do sistema judicial, a taxa de justiça constitui, paradigmaticamente aliás, um ónus de acesso ao direito. Sucede que nem todos os ónus constituem, só por essa razão, verdadeiras restrições do direito onerado. Sê-lo-ão certamente aqueles que, pela sua dimensão, intensidade ou significado, interferirem com as reais possibilidades de efetivação do direito sobre que incidem, mas já não, pelo menos com igual evidência, os ónus ou encargos que se quedem pela indispensável definição das condições ou pressupostos do seu exercício, sem chegarem a comprometer verdadeiramente qualquer das faculdades que integram o conteúdo respetivo. Ora, emmatéria de fixação da taxa de justiça, apenas seria possível falar em restrição de um direito sem levar em linha de conta o valor, significado e expressão da contraprestação exigida no património de quem se encontra a ela obrigado se a Constituição consagrasse – e vimos já que não consagra – um direito geral de acesso gratuito ou tendencialmente gratuito ao direito e aos tribunais. Quanto ao direito de acesso ao direito e a uma tutela juris- dicional efetiva, a possibilidade de classificar como verdadeira restrição a subordinação do impulso processual do interessado ao pagamento de uma taxa de justiça depende sempre do nível de condicionamento a que é por essa forma sujeita a faculdade de levar determinada pretensão ao conhecimento de um órgão jurisdicional para defesa de um direito ou de um interesse legalmente protegido. Fora deste âmbito, a obrigação de pagamento da taxa de justiça constituirá apenas um limite objetivo que os custos implicados no funcionamento do sistema judicial tra- çam à dimensão prestacional do direito de acesso ao direito, cuja concretização, como se sabe, se encontra sujeita à reserva do financeiramente possível, em tudo o que exceda o conteúdo mínimo essencial do direito. 20. Notou-se já que a introdução de uma taxa de justiça agravada para sociedades comerciais que tenham dado entrada (num tribunal, secretaria judicial ou balcão) no ano anterior, a 200 ou mais providên- cias cautelares, ações, procedimentos ou execuções, levada a cabo pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, teve em vista não apenas a «moralização e racionalização do recurso aos tribunais, com o tratamento diferenciado dos litigantes em massa», mas também uma «repartição mais justa e adequada dos custos da justiça» (vide supra , ponto 10.), tendo como pressuposto que a grande litigância, entendida como o recurso massivo aos tribu- nais por parte de um número limitado de utilizadores, constitui um relevante fator de congestionamento e retração da resposta do sistema judicial. Perante a impossibilidade de maximização da capacidade de reação do aparelho judiciário de modo a neutralizar o impacto dessa procura massiva, o legislador encontrou no agravamento da tributação dos gran- des litigantes um meio necessário e adequado para superar tal disfunção. Como se assinalou no referido Acórdão n.º 238/14: «[A] ratio da norma em apreço assenta fundamentalmente no impacto global e sistémico que a grande litigância assume. Na verdade, tais utentes do serviço de justiça, pela escala que atingem, são responsáveis por afetação signifi- cativa de recursos, materiais e humanos, e, inerentemente, numa visão agregada e de conjunto, a respetiva quota parte na utilização do sistema de administração de justiça mostra-se proporcionalmente mais elevada relativamente ao utilizador ocasional do sistema de administração da Justiça. Do mesmo jeito, o volume de litigância desencadeado por tais agentes económicos significa que, globalmente, são também aqueles que maior vantagem retiram do serviço de justiça, traduzindo a massificação das ações, muitas

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