TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020

466 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 18. A possibilidade de dissociar o diferencial correspondente ao agravamento que recai sobre os gran- des litigantes do conceito de taxa a que o Tribunal vem reiteradamente reconduzindo a taxa de justiça (cfr., entre outros, os Acórdãos n. os  349/02, 227/07, 301/09, 151/11, 238/14 e 615/18) foi afastada no Acórdão n.º 238/14 com base nos seguintes argumentos: «[A] circunstância de parte da receita obtida com a taxa de justiça agravada estar adstrita ao financiamento de um ente público, para prossecução de específicas medidas de política de justiça, não a converte [também] em tributação autónoma, nem afeta de qualquer modo a sua natureza de taxa (de justiça). Persiste como contrapartida pecuniária da utilização do serviço da administração da justiça, constituído por uma pluralidade de elementos interconetados e que, enquanto sistema, envolve componentes de índole geral, transversais a todos as ações, procedimentos e execuções, mormente no que respeita a recursos centralizados, partilhados pelos tribunais, secretarias e balcões, por exemplo, no domínio dos sistemas de informação. Contrariamente ao que pretende o recorrente, a fixação da taxa de justiça a pagar pela parte atende necessariamente também a esse dispêndio por parte do Estado, não se podendo contrapor, como realidades díspares ou desgarradas – que não são – , um custo individual, atomístico, de cada pleito ou ato e um custo geral. Todos integram os custos do sistema de administração de justiça a financiar.  Compreende-se, então, numa visão integrada, que o legislador afete parte das receitas obtidas com o paga- mento da taxa de justiça à modernização desses componentes centrais, entre as quais [parte da] a parcela da taxa de justiça especial imposta aos grandes litigantes, atendendo ao peso específico que tais utentes assumem no conges- tionamento da procura de justiça e correspondente pressão para a obtenção de maior eficácia, suscetível de garantir a pronta intervenção judicial para todos os que procurem aceder aos tribunais. Ora, como vincou este Tribunal no Acórdão n.º 76/88: “o que releva para a definição da relação sinalagmática, característica da taxa, não é propriamente a destinação financeira das receitas obtidas, mas antes a prestação, aos sujeitos tributados, de um serviço”. Esta doutrina foi seguida nos Acórdãos que não julgaram inconstitucional a norma do artigo 13.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 423/91, de 30 de outubro, na parte em que estabelecia que, em caso de condenação penal, o arguido seria também condenado a pagar uma quantia equivalente a 1% da taxa de justiça aplicável, resultando implicitamente da mesma norma que tal quantia se destinava a contribuir para custear o pagamento da indem- nização, por parte do Estado, às vítimas de crimes violentos (cfr., entre outros, Acórdãos n. os 377/94 e 323/99). Diz-se no citado Acórdão n.º 377/94, que “no que diz respeito à natureza sinalagmática, aquele adicional em nada se distingue da taxa de justiça propriamente dita. Se a taxa de justiça é, em geral, a contrapartida que o Estado auto- ritariamente cobra pela administração da justiça, aquele adicional de 1%, em termos gerais, nada mais representa, afinal, do que um agravamento dessa taxa em 1%.». Não há qualquer razão para divergir de tal entendimento. Para além de pouco razoável em si mesma, a possibilidade de fragmentação da natureza jurídica da taxa de justiça unitária estabelecida para os grandes litigantes de modo a reconduzir ao conceito de imposto – «imposto anómalo», na expressão da recorrente – o adicional que resulta da confrontação dos valores esta- belecidos nas colunas A (taxa de justiça normal) e B (taxa de justiça agravada) da tabela II anexa ao RCP é contrariada pela contida significância, tanto em termos percentuais como absolutos, dos diferenciais em que se exprime a medida do agravamento, os quais, sendo insuscetíveis de comprometer a bilateralidade da rela- ção entre o serviço prestado e a contraprestação devida, estão longe de justificar ou impor, ainda que apenas nessa parte, a requalificação do tributo. Não há, assim, fundamento para convocar os princípios constitucionais da igualdade tributária, da generalidade e abstração e da capacidade contributiva, que regem em matéria de impostos, como parâmetros de validade da norma em causa. 19. Resta verificar se a norma sindicada constitui, relativamente aos grandes litigantes, uma restrição do direito de acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efetiva, consagrado no artigo 20.º da Constituição, e, em caso afirmativo, se tal restrição é compatível com as exigências a que o artigo 18.º, n.º 2, sujeita as leis restritivas

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=