TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020
465 acórdão n.º 391/20 a aferição da conformidade constitucional das normas à luz do princípio da igualdade, mormente no que tange à igualdade no acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva, não cuidando de fazer um efetivo teste à proporcionalidade das normas, desde logo considerando que implicam uma constrição direta a diretos fundamentais», como seja «o direito fundamental de acesso ao direito e aos tribunais da República»; desatua- lizado na medida em que passaram mais de cinco anos desde o momento em que o acórdão foi prolatado, «período esse em que ficou cabalmente demonstrado [..] que as normas em apreço, afinal, contrariamente ao assumido, não visaram (ou, pelo menos, não concretizaram) o pretenso fim de moralização e racionalização do recurso aos tribunais, a operacionalizar através do tratamento diferenciado dos litigantes em massa, a que aludia o Decreto-Lei n.º 34/2008, sobre o qual se erigiu a Reforma». A segunda linha argumentativa – subsidiária da anterior – retoma a ideia de que a «sobretaxa que advém do agravamento que recai sobre os grandes litigantes», na medida em que consubstancia um imposto, ainda que «anómalo», se encontra sujeita à incidência dos princípios constitucionais da igualdade tributária, da generalidade e abstração e da capacidade contributiva, que regem em matéria de impostos. 17. É dado assente que a Constituição não consagra um direito de acesso ao direito e aos tribunais gratuito ou tendencialmente gratuito. O que prescreve é que «a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos» (artigo 20.º, n.º 1). Na sua dimensão defensiva, o direito de acesso ao direito tem como seu correlativo o dever do Estado se abster de privar qualquer categoria de sujeitos da faculdade de aceder aos tribunais para defesa dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, bem como de restringir desproporcionadamente essa faculdade, designadamente onerando-a em termos tais que, na prática, inviabilizem ou mesmo impeçam a obtenção da declaração do direito do caso através do recurso aos tribunais. Já na sua dimensão positiva ou prestacional, o direito de acesso ao direito pressupõe que o Estado organize e disponibilize a todos os indivíduos – pessoas individuais e pessoas coletivas – os meios judiciários e instrumentos processuais indispensáveis à efetivação daquele direito, levando em linha de conta a finitude dos recursos financeiros disponíveis e os custos econó- micos implicados no funcionamento do sistema de administração da justiça. Em matéria de fixação da taxa de justiça devida pelos litigantes, o Tribunal vem reconhecendo ao legis- lador uma «uma larga margem de liberdade de conformação» na repartição dos «pesados custos do funcio- namento da máquina da justiça, fixando a parcela que deve ser suportada pelos litigantes e a que deve ser inscrita no orçamento do Estado». Sem preterir, todavia – afirmou-o também – «a vinculação decorrente da tutela do acesso ao direito e à justiça, direito fundamental consagrado no artigo 20.º da Constituição, incom- patível com a fixação de taxas de tal forma elevadas que percam um mínimo de conexão razoável com o custo e a utilidade do serviço prestado e, na prática, impeçam pela sua onerosidade a generalidade dos cidadãos de aceder aos Tribunais» (Acórdão n.º 361/15). Deste último ponto de vista, está sobretudo em causa a ideia de que, apesar de não implicar uma equivalência rigorosa de valor económico entre o custo suportado pelos litigantes e o serviço que lhes é prestado pelo sistema de administração da justiça, a taxa de justiça, como taxa que é, continua a pressupor que «a causa e justificação do tributo possa ainda encontrar-se, materialmente, no serviço recebido pelo utente», de tal modo que «uma desproporção manifesta ou flagrante com o custo do serviço e com a sua utilidade para tal utente afeta claramente uma tal relação sinalagmática que a taxa pressupõe» (Acórdão n.º 361/15). Na conformação do regime da taxa de justiça e fixação dos respetivos valores, pode dizer-se, pois, que a margem de discricionariedade legislativa se encontra sujeita a dois limites de natureza diversa: o primeiro é imposto pela bilateralidade inerente ao próprio conceito de taxa e veda a fixação de valores que não possam justificar-se à luz da relação sinalagmática que caracteriza e singulariza aquela espécie de tributo; o segundo resulta do artigo 20.º da Constituição e traduz-se na impossibilidade de onerar os litigantes com o paga- mento de uma contraprestação pecuniária de tal modo elevada que comprometa ou frustre a efetivação do direito a uma tutela jurisdicional efetiva.
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