TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020

452 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL III - Em matéria de fixação da taxa de justiça, apenas seria possível falar em restrição de um direito sem levar em linha de conta o valor, significado e expressão da contraprestação exigida no património de quem se encontra a ela obrigado se a Constituição consagrasse – e não consagra – um direito geral de acesso gratuito ou tendencialmente gratuito ao direito e aos tribunais; a possibilidade de classificar como verdadeira restrição do direito de acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efetiva a subordi- nação do impulso processual do interessado ao pagamento de uma taxa de justiça, depende sempre do nível de condicionamento a que é por essa forma sujeita a faculdade de levar determinada pretensão ao conhecimento de um órgão jurisdicional para defesa de um direito ou de um interesse legalmente protegido; fora deste âmbito, a obrigação de pagamento da taxa de justiça constituirá apenas um limite objetivo que os custos implicados no funcionamento do sistema judicial traçam à dimensão prestacional do direito de acesso ao direito, cuja concretização se encontra sujeita à reserva do finan- ceiramente possível, em tudo o que exceda o conteúdo mínimo essencial do direito. IV - A introdução de uma taxa de justiça agravada para sociedades comerciais que tenham dado entrada (num tribunal, secretaria judicial ou balcão) no ano anterior, a 200 ou mais providências cautelares, ações, procedimentos ou execuções, levada a cabo pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, teve em vista não apenas a «moralização e racionalização do recurso aos tribunais, com o tratamento diferenciado dos litigantes em massa», mas também uma «repartição mais justa e adequada dos custos da justiça»; para além da racionalização do recurso aos tribunais, a diferenciação estabelecida ao nível da tributação dos grandes litigantes encontra justificação na intensidade do nível de utilização do aparelho judiciário por parte daqueles agentes económicos e nas consequências que essa acentuada procura produz ao nível da estruturação, dimensionamento e gestão do sistema de administração da justiça. V - Através da agravação da taxa de justiça a cargo daqueles que, provocando a intervenção dos tribunais duzentas ou mais vezes em cada ano, colocam ao serviço da tutela dos seus próprios interesses uma parte significativa dos recursos disponíveis, visa-se projetar sobre a contraprestação pelos mesmos devida o impacto do recurso quantitativamente diferenciado aos tribunais, fazendo-a incorporar o valor econó- mico associado ao peso assim gerado sobre o aparelho judiciário, bem como à correlativa diminuição da sua capacidade para, em prazo razoável – que é o tempo constitucionalmente devido – assegurar uma tutela jurisdicional efetiva às pretensões provindas de outros sectores da comunidade. VI - Tendo apenas lugar quando os litigantes em massa intervenham como partes ativas na lide e encontran- do-se, além do mais, excluído do âmbito dos valores que a parte vencida pode ser obrigada a pagar à parte vencedora a título de custas de parte, o agravamento da taxa de justiça a suportar pelos grandes litigantes não constitui, do ponto de vista da finalidade prosseguida, uma medida inidónea ou inadequada. VII - Não sendo configurável qualquer outro mecanismo igualmente apto e eficaz para a prossecução do fim visado – o que contraria a alegação de que o legislador recorreu a um meio desnecessário para aquele efeito –, não existe desproporção entre o nível de realização do interesse visado e o grau do sacrifício imposto aos grandes litigantes em resultado da medida adotada, por duas ordens de razões: a qualifica- ção de qualquer sociedade como grande litigante para efeitos de aplicação da taxa de justiça agravada não é nem definitiva, nem automática – para além de anualmente revista, tal classificação encontra-se subordinada a um procedimento especial de natureza contraditória, que assegura, além do mais, o efeito suspensivo da reclamação que qualquer sociedade venha a apresentar contra a sua perspetivada inclusão na lista de sociedades com mais 200 ações –, e a medida do agravamento da taxa de justiça aplicável aos grandes litigantes está longe de poder ser considerada excessiva ou desproporcionada.

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