TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020

45 acórdão n.º 429/20 A revisão constitucional de 1982 introduziu o poder tributário próprio das Regiões Autónomas [então artigo 229.º, alínea f ) , da CRP]; e a revisão de 1989 desdobrou as competências legislativas regionais em matéria fiscal, num «poder tributário próprio» e num «poder de adaptação» do sistema fiscal nacional às especificidades regionais [artigo 227.º, n.º 1, alínea i) , da CRP]. A expressão «poder tributário próprio» introduzida pela Revisão de 1982 foi objeto de interpretação restritiva pelo Tribunal Constitucional que, no essencial, entendia que o poder tributário só poderia ser feito no quadro de uma lei que expressamente o regulasse e apenas consentia a possibilidade de criação ex novo de impostos regionais (Acórdãos n. os 91/84, 348/86 e 267/87). As dúvidas que se levantaram quanto ao sentido e alcance afirmado pela jurisprudência constitucional [Teixeira Ribeiro, “Criação de Impostos pelas Regiões Autónomas”, in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 119 (1986), n.º 3743 e Sousa Franco, “A Autonomia Tributárias das Regiões“, in Comunicação de 1987, publicada nos Estudos de Direito Regional , Lex , 1997], desapareceram com a Revisão de 1989, ao introduzir expressamente a referência à possibilidade de adaptação do sistema fiscal nacional à Região no âmbito de uma lei-quadro da Assembleia da República [artigos 227.º, n.º 1, alínea i), e 232.º, n.º 1, da CRP]. A Constituição constituiu um poder tributário regional, criando-o ex novo , sem que haja qualquer con- tradição ou incompatibilidade com a competência exclusiva da Assembleia da República para criar e regular imposto. Como referem Gomes Canotilho e Vital Moreira, a norma constitucional «traduz uma exceção à competência legislativa exclusiva da AR nesta matéria (art.165.º-1/i)» ( Constituição da República Portuguesa Anotada , 4.ª edição, Vol. II, p. 674); ou como interpretou Teixeira Ribeiro, «deve ser entendida no contexto da Constituição, isto é, no contexto de um diploma que em certo passo, dizia e diz ainda, caber em exclu- sivo à Assembleia da República a criação de impostos e em outro passo diz atualmente disporem as Regiões Autónomas de poder tributário próprio; (…) assim não há dificuldade nenhuma em conciliar a atribuição à Assembleia da República de uma competência genérica para a criação de impostos [alínea i) do artigo 168.º] com atribuição às Regiões Autónomas da competência para criar os impostos que a Assembleia da República lhes permita» (“Criação de Impostos Pelas Regiões Autónomas”, in Estudos de Direito Regional , Lex , pp. 456 e 467). Todavia, a Constituição não traçou minimamente os limites ou contornos do quadro em que o poder tributário autonómico regional pode ser exercido, ficando assim por inteiro para a lei comum a concretização do «poder tributário próprio», e para uma lei-quadro a fixação mais ou menos pormenorizada do regime jurí- dico global de regras e princípios carecidos de ulteriores concretizações do «poder de adaptação» do sistema fiscal nacional às especificidades regionais. O domínio de incidência do conceito de estabelecimento estável – inserido no Decreto em aprecia- ção como condição de autorização do exercício da atividade económica de TVDE no território regional – pertence ao direito tributário. Não obstante poder ter valia no contexto do direito financeiro, o campo de atuação localiza-se sobretudo no ordenamento tributário, como definidor da sujeição passiva tributária às situações em que há obtenção de rendimentos por parte de não residentes. Neste domínio, a regra do estabelecimento estável não se insere no âmbito do poder tributário próprio, no sentido de criar impostos regionais ou estabelecer a sua disciplina essencial, incorporando-se antes no poder de adaptação ao território regional do “critério de conexão” previsto nas leis fiscais nacionais para efeitos de tributação de entidades não residentes no território nacional. Através do nexo de conexão espacial – estabelecimento estável – a RAM fica assim legitimada a tributar os rendimentos empresariais obtidos por não residente, segundo as regras que, no essencial, são aplicáveis a residentes no território regional. Por opção do legislador constituinte, o poder de adaptação do sistema fiscal nacional às especificidades regionais está subordinado ou condicionado a prévia lei-quadro da Assembleia da República [alínea t) do artigo 164.º da Constituição da República Portuguesa], que assim funciona como lei parâmetro daquele poder. A intervenção legislativa que desenhou o quadro de normação regional, consubstanciado em lei- -quadro da Assembleia da República, no que se refere à adaptação regional do sistema fiscal nacional, ou seja, à regionalização de impostos nacionais, é constituída pela Lei das Finanças das Regiões Autónomas aprovada

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