TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020
441 acórdão n.º 362/20 Código de Processo Civil, na interpretação segundo a qual não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de um acórdão do Tribunal da Relação que decida, em segunda instância, sobre a aplicação de uma medida de confiança com vista à adoção. Os respetivos fundamentos assentam, num primeiro momento, na abundante jurisprudência constitu- cional, ali citada, no sentido de que “[…] por regra, o estabelecimento de um terceiro grau de jurisdição, com recurso para o STJ, não resulta de imposição constitucional, tendo o legislador liberdade para conformação de um sistema racional e equilibrado de acesso àquele tribunal” e, num segundo momento, na conclusão de que a aplicação de uma medida de confiança com vista à adoção não justifica, só por si, a pretendida impo- sição constitucional do acesso ao STJ. Os recorrentes invocam que a medida de confiança com vista à adoção exige tratamento diferenciado relativamente às demais previstas no artigo 35.º da LPCJP, atento o seu caráter definitivo. No entanto, a definitividade da medida de confiança com vista à adoção não obriga, por força da Cons- tituição, à abertura de um segundo grau de recurso. Ainda que se pudesse comparar – pelo seu caráter definitivo e pela intensidade da afetação da posição jurídica das pessoas visadas – a hipótese em apreço à privação da liberdade por aplicação de uma pena de prisão (e não pode, pois são de natureza muito diversa, quer as restrições, quer os pressupostos, quer os inte- resses protegidos pelas normas restritivas), a verdade é que, por regra, a Constituição não obriga à previsão do segundo grau de recurso, mesmo perante a aplicação de uma pena de prisão (cfr., entre outros, os Acórdãos n. os 245/15, 357/17, 804/17, 101/18 e 337/19, bem como nas Decisões Sumárias n. os 37/17, 46/18, 294/19 e 485/19). Como se assinalou na decisão reclamada, “[…] sendo certo que a jurisprudência constitucional sobre o acesso ao STJ, em matéria penal, conheceu desenvolvimentos recentes (cfr., designadamente, os Acórdãos n. os 429/16 e 595/18), tais desenvolvimentos assentam em incidências processuais – designadamente, em inovações relevantes da decisão do Tribunal da Relação – intransponíveis para a hipótese em causa nos pre- sentes autos”. OTribunal reconheceu a necessidade da abertura de uma nova via de recurso, no âmbito penal (ou seja, não exatamente o âmbito dos presentes autos), e apenas nos casos em que, para além da gravidade da pena, o objeto decisório sofre uma transformação tão determinante que o direito de defesa só pode ser cabal- mente exercido perante outro tribunal, como ocorre nas hipóteses de absolvição em 1.ª instância seguida de condenação em 2.ª instância (cfr., por último, o Acórdão n.º 234/20). Nos presentes autos, a medida de confiança com vista à adoção foi aplicada pelo tribunal de 1.ª instân- cia e os ora recorrentes puderam dela apelar para o Tribunal da Relação, apresentando a este as suas razões, que, simplesmente, não foram atendidas. Nem o objeto decisório sofreu transformações substanciais, nem se prefigura em que medida os direitos dos recorrentes (não propriamente a defesa no sentido processual penal, mas, no que aqui poderia estar em causa, os direitos a serem ouvidos e a verem a sua posição reapreciada pelo tribunal de recurso) ficaram diminuídos ou prejudicados ao ponto de a Constituição exigir a apreciação jurisdicional por um terceiro tribunal, hierarquicamente superior. Do exposto resulta, também, e por fim, que não procede a invocada (e não logradamente justificada) violação do princípio da igualdade. Tenha-se presente que este princípio deve ser «“entendido como limite objetivo da discricionaridade legislativa, não veda à lei a realização de distinções. Proíbe-lhe, antes, a adoção de medidas que estabeleçam distinções discriminatórias – e assumem, desde logo, este caráter as diferencia- ções de tratamentos fundadas em categorias meramente subjetivas, como são as indicadas, exemplificativa- mente, no n.º 2 do artigo 13.º da Lei Fundamental –, ou seja, desigualdades de tratamento materialmente infundadas, sem qualquer fundamento razoável ( vernünftiger Grund ) ou sem qualquer justificação objetiva e racional. Numa expressão sintética, o princípio da igualdade, enquanto princípio vinculativo da lei, traduz-se na ideia geral de proibição do arbítrio ( Willkürverbot )’ (cfr., por entre muitos outros, o Acórdão n.º 1186/96, publicado no Diário da República , II Série, de 12 de fevereiro de 1997), ou, dito ainda de outra forma, o “princípio da igualdade […] impõe se dê tratamento igual ao que for essencialmente igual e se trate diferen- temente o que diferente for. Não proíbe as distinções de tratamento, se materialmente fundadas; proíbe, isso
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