TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020
425 acórdão n.º 329/20 estes ser responsabilizados «pelo pagamento do montante de imposto resultante da diferença entre o nível de tribu- tação aplicável ao gasóleo rodoviário e a taxa aplicável ao gasóleo colorido e marcado». Na redação original, dada pelo Decreto-Lei n.º 73/2010, o n.º 5 do artigo 93.º do CIEC associava esta consequência apenas à venda que não fosse efetuada a titular de cartão de microcircuito e registada no sistema informático próprio. A obrigação de emitir fatura em nome do titular do cartão já constava, todavia, do artigo 8.º da Portaria n.º 361-A/2008 (vide, a propósito, o Acórdão n.º 176/10), e foi introduzida, pela Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro, no n.º 5 do artigo 93.º do CIEC, como pressuposto da mesma responsabilidade. Por fim, a Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro, substituiu a exigência de emissão de fatura em nome do titular do cartão pela identificação fiscal do titular do cartão, mantendo inalterada a consequência do incumprimento dessa obrigação. 9. A venda de gasóleo colorido e marcado em violação do disposto no n.º 5 do artigo 93.º do CIEC pode ser considerada uma venda irregular, que integra o proprietário ou responsável pelo posto de abastecimento no elenco dos sujeitos passivos do ISP, por força do disposto na alínea h) do n.º 2 do artigo 4.º do Código [vide ainda o artigo 8.º, n.º 1 e as alíneas a) , b) , c) e f ) do n.º 1 do artigo 9.º do CIEC]. Pressupõe-se que a venda irregular dos produtos sujeitos a impostos especiais sobre o consumo beneficia o consumidor e o vendedor (vide o Acórdão n.º 176/10). Assim, o legislador deixa de visar apenas o ato de con- sumo, para atingir também o benefício extraído da venda irregular; nesses casos, são sujeitos passivos as pessoas singulares ou coletivas que vendam ou utilizem produtos sujeitos a imposto em condições irregulares. Deste modo, a exigência ao vendedor do pagamento dos impostos que seriam devidos pressupõe uma decisão administrativa sobre a regularidade da venda de gasóleo colorido e marcado: a Administração, verificando que não se encontram reunidos os pressupostos de comercialização desse produto, anula a concessão do benefício fiscal em causa e, em consequência, exige o pagamento do imposto à taxa normal. Esta solução encontra-se em linha com a consequência geralmente associada à caducidade ou à cessação de efei- tos da concessão de benefícios fiscais (vide o artigo 14.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais) e não diverge, mutatis mutandis , da solução a adotar ao abrigo do regime geral do IVA, sempre que se verifica que o comerciante errou em prejuízo do Estado na aplicação de uma taxa reduzida. Também nestes casos se impõe ao vendedor ou prestador de serviços que proceda à retificação da fatura, liquidando o imposto que deveria ter sido pago a mais − e, sempre que possível, repercutindo-o no preço cobrado ao consumidor final, de modo a assegurar a neutralidade do imposto (nos termos dos artigos 29.º, n.º 7, 36.º, n.º 6, 37.º e 78.º do Código do IVA). Não se trata, como é bom de ver, de uma sanção: o que sucede é que a diferença dos montantes que seriam devidos pela venda de gasóleo rodoviário comum é exigida ao proprietário ou responsável pelo posto de abasteci- mento, sem que se preveja (pelo menos expressamente) a possibilidade (ainda que meramente teórica) de efetivar a repercussão sobre o adquirente. Trata-se do ressarcimento do prejuízo fiscal para o erário público. 10. Ora, tal como resulta do regime legal, o principal meio de demonstração da titularidade do direito ao benefício é a apresentação do cartão de microcircuito, que em princípio é pessoal e intransmissível. A exigência da apresentação do cartão assegura que são registadas no sistema informático todas as transações em nome do titular do direito ao benefício. A recorrida alega que, «[n]as situações das vendas faturadas a “consumidor final”, não é possível estabelecer uma relação inequívoca entre a fatura e o registo informático do cartão eletrónico, pois mesmo que coincidam exatamente todos os dados da fatura com os do registo do cartão – valores, dia e hora −, mesmo assim não há forma de assegurar que aquela venda foi feita ao titular daquele cartão…» (fls. 57). Este argumento prova de mais. A inclusão na fatura do nome do titular do cartão não constitui uma «forma de assegurar que aquela venda foi feita ao titular daquele cartão», nem sequer constitui uma forma mais segura ou eficaz do que a mera apresentação do cartão. De facto, quem utiliza o cartão de outrem para obter o benefício, bem pode fazer constar da fatura o nome do titular do cartão. Assinale-se que a lei não exige que o vendedor verifique a identidade nominal entre o comprador e o titular do cartão, nomeadamente através da apresentação de documento de identificação ou outro meio de prova concludente.
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