TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020
41 acórdão n.º 429/20 respetivo estatuto político-administrativo; e um limite negativo, no sentido em que não pode incidir sobre matérias reservadas aos órgãos de soberania [artigos 227.º, n.º 1, alínea a) , e 228.º, n.º 1 (da Constituição)]». No que respeita ao limite positivo acima expresso, importa referir que o domínio dos transportes é uma das matérias que se encontra enunciada no Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira (EPARAM). Efetivamente, o artigo 40.º, alínea ll) , do Estatuto estabelece que «para efeitos de definição dos poderes legislativos ou de iniciativa legislativa da Região (…) constituem matérias de interesse específico, designadamente: (…) ll) Vias de circulação, trânsito e transportes terrestres». Isto significa que a RAM possui competência legislativa própria para regular, no respetivo âmbito regional, matérias relativas aos serviços de transportes terrestes, sendo neste domínio que se incluem tanto a atividade de operador de TVDE como de operador de plataforma eletrónica. Porém, como antecipado supra , o exercício do poder legislativo por parte das Assembleias Legislativas Regionais tem ainda de respeitar um limite negativo, na medida em que não pode incidir sobre matérias reservadas aos órgãos de soberania. Embora esse limite negativo seja mitigado pela cláusula prevista no artigo 227.º, n.º 1, alínea b) , da Constituição, quando prevê que as Assembleias Legislativas Regionais podem «legislar em matérias de reserva relativa da Assembleia da República, mediante autorização desta (…)», a verdade é que a própria norma constitucional afasta expressamente a possibilidade de essa autorização parlamentar se referir a algumas matérias que se encontram enunciadas no artigo 165.º, n.º 1, da Consti- tuição. Uma dessas matérias é a que consta da alínea b) do n.º 1 desse artigo, segundo a qual é da exclusiva competência da Assembleia da República, salvo autorização ao Governo, legislar sobre direitos, liberdades e garantias. Isto significa que a regulação de direitos, liberdades e garantias consiste numa das matérias sobre as quais as Regiões Autónomas não podem em caso algum legislar – nem mediante autorização parlamentar – uma vez que a mesma se encontra reservada aos órgãos de soberania. Por conseguinte, embora a RAM possua competência legislativa própria para regular, no respetivo âmbito regional, matérias relativas aos serviços de transportes terrestes (e, nessa medida, adaptar o regime contido na Lei n.º 45/2018, de 10 de agosto, às especificidades da Região), essa competência encontra-se condicionada pelo limite negativo decorrente do artigo 227.º, n.º 1, alíneas a) e b) , e do artigo 228.º, n.º 1, da Constituição, nos termos do qual são excluídas do âmbito da competência legislativa das Regiões Autó- nomas as matérias reservadas aos órgãos de soberania, nelas se incluindo a regulação de direitos, liberdades e garantias. 10. Feito este esclarecimento prévio, importa agora averiguar se assiste razão ao requerente quando argu- menta que as normas em apreciação são organicamente inconstitucionais por implicarem uma restrição do direito à livre iniciativa económica privada previsto no artigo 61.º, n.º 1, da Constituição, violando assim a reserva parlamentar consagrada no artigo 165.º, n.º 1, alínea b) , em matéria de direitos, liberdades e garan- tias e de direitos de natureza análoga (por força da analogia constante do artigo 17.º). A invocada inconstitucionalidade pelo Requerente tem pressuposta uma certa interpretação das normas do Decreto, segundo a qual a RAM exige aos operadores de TVDE e de plataforma eletrónica – na perspe- tiva do direito de acesso e exercício a uma atividade económica de índole privada com as características em causa – que não tenham nela a sua sede, a existência de um «estabelecimento efetivo e estável» na RAM como pressuposto do acesso e exercício (licenciamento) ou apenas exercício (averbamento) da atividade. 11. Como referido, as normas questionadas – artigos 6.º, n.º 4, alínea c), e 10.º, n.º 4, alínea c) – fazem depender o exercício da atividade de transporte individual e remunerado de passageiros em veículos desca- racterizados na RAM do facto de os operadores de plataformas eletrónicas e de TVDE possuírem «estabele- cimento efetivo e estável» na Região. A disponibilidade de um «estabelecimento» com aquelas características está prevista na lei como requisito ou condição de autorização administrativa para o exercício por parte daqueles operadores de uma atividade económica-empresarial no território regional.
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