TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020
403 acórdão n.º 303/20 Se as considerações antecedentes valem por dizer que não há motivos para considerar descaracteri- zado o sinalagma que se reconheceu existir no Acórdão n.º 320/16 em termos suficientemente definidos para sustentar a qualificação jurídico-constitucional de taxa do tributo previsto no artigo 16.º da Portaria n.º 385/2004, de 16 de abril, das mesmas resulta, ainda, que não resulta demonstrada – como não resultava, então, e os recorrentes não demonstram agora – qualquer desproporção do mesmo tributo, muito menos de uma desproporção tão flagrante que obrigasse a diferente qualificação. 2.5.2. A invocada violação do princípio da proteção da confiança não é de acolher. Desde logo, não se pode afirmar que o comportamento do Estado, ao não tributar o uso de certos serviços, cria uma expetativa séria e legítima de que não mais serão tributados, ainda que sejam enquadrados em programas de simpli- ficação e desmaterialização – aliás, a limitação da autonomia tributária do Estado que daí decorreria não é aceitável, nem sequer razoável. O exposto preclude a utilidade da apreciação de outros requisitos ou “testes” do princípio da confiança. 2.5.3. Perante o exposto, e não sendo decisivo o argumento da (alegada) consignação da receita, o certo é que o sentido do n.º 2 do artigo 16.º da Portaria n.º 385/2004, de 16 de abril, não é aquele que os recor- rentes lhe dão. Ali se lê, na verdade, que “[a] receita proveniente da cobrança a que se referem o número anterior e o artigo 15.º será depositada mensalmente até ao dia 10 do mês seguinte àquele a que a conta encerrada disser respeito, à ordem do Instituto de Gestão Financeira e Patrimonial, do Ministério da Justiça [IGFEJ]”. Mas esta indicação regulamentar da titularidade da conta em que é depositado o valor das taxas não significa que se destine a atribuições particulares do IGFEJ (enquanto algo diverso das atribuições do Ministério da Justiça). O IGFEJ é um instituto público, integrado na administração indireta do Estado, dotado de autono- mia administrativa e financeira e património próprio (artigo 1.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 164/2012, de 31 de julho) e prossegue atribuições do Ministério da Justiça, sob superintendência e tutela do membro de Governo responsável pela área da justiça (artigo 1.º, n.º 2, do mesmo diploma). Ora, o IGFEJ, I. P. tem por missão a gestão dos recursos financeiros do Ministério da Justiça, a gestão do património afeto à área da justiça, das infraestruturas e recursos tecnológicos, bem como a proposta de con- ceção, a execução e a avaliação dos planos e projetos de informatização, em articulação com os demais servi- ços e organismos do Ministério da Justiça (artigo 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 164/2012, de 31 de julho). Entre as suas atribuições, contam-se: desenvolver as atividades de entidade coordenadora do programa orçamental; definir, executar e avaliar, em colaboração com os respetivos serviços e organismos, o orçamento e os planos de investimento do Ministério da Justiça; e coordenar a requisição das verbas inscritas no Orça- mento do Estado afetas aos serviços e organismos do Ministério da Justiça [alíneas b) , c) e f ) do n.º 2 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 164/2012, de 31 de julho]. Assim, ao receber em depósito o valor das taxas nos termos do n.º 2 do artigo 16.º da Portaria n.º 385/2004, de 16 de abril, o IGFEJ fá-lo no âmbito da gestão dos recursos financeiros da justiça, pros- seguindo atribuições, mais amplas, do Ministério da Justiça. O valor da taxa passa a fazer parte daqueles recursos financeiros. Não pode, pois, falar-se – como fazem os recorrentes – em atribuições ou competências “próprias” do IGFEJ, como se, para efeitos de recursos financeiros, este instituto público não agregasse diver- sas receitas da justiça, prosseguindo, na área financeira, as atribuições do Ministério da Justiça (e sempre se haveria de concluir que o valor das taxas, ao acrescer aos recursos financeiros da justiça, diminui, na mesma medida, a necessidade de dotação por parte do Ministério da Justiça). Mas, ainda que se possa olhar – e apenas se poderá fazê-lo na medida descrita – para este depósito como uma receita própria do IGFEJ, ela só será “própria” para poder ser afetada aos recursos da justiça, incluindo as contraprestações em causa nos presentes autos. Sempre seria, então, um caso de “consignação indireta ou orgânica”, em que “o legislador afeta [os tributos] a uma entidade pública como sua receita própria (…)
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=