TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020

396 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL iii) esta desigualdade não pode ser justificada pela natureza das funções cometidas aos Notários (visto que os ser- viços em causa são oferecidos em condições de gratuitidade a advogados e solicitadores, também estes cujas funções se divisam no quadro do interesse público); iv) inconstitucionalidade material, por violação dos princípios da proporcionalidade e da equivalência, uma vez que a disponibilização do arquivo público é, por si mesma, fonte de gastos desproporcionados para os notários, aos quais acresce o pagamento do tributo – não só não existe um benefício que a “taxa” prevista no n.º 1 do artigo 16.º vise compensar, como tão-pouco é gerado pela utilização do arquivo público qualquer encargo para o erário público que aquela “taxa” possa destinar-se a compensar; v) na hipótese de existir um qualquer serviço público nesta taxa, se o Estado criou uma taxa devida supostamente por três contraprestações públicas e lhes fez corresponder um montante proporcional de € 10 (dez euros) por cada escritura e € 3 (três euros) por cada um dos demais atos que o Notário pratica, essa taxa é inevitavelmente inconstitucional, por violação do princípio da proporcionalidade, quando afinal se constata que afinal só há uma contraprestação pública, pois os montantes em causa, estabelecidos para as três contraprestações, são necessariamente desajustados à realidade, pecando por excesso; vi) inconstitucionalidade material, por violação do princípio da proteção da confiança, ao permitir-se que seja cobrado aos Notários um tributo pelo mero exercício da atividade notarial, entendendo-se que tal consubstan- cia um licenciamento efetuado pelo Estado e que este tributo visa remunerar, maxime quando considerado que nenhuma contraprestação existe e que serviços que alegadamente fundamentam esta “taxa” são disponibiliza- dos gratuitamente aos cidadãos em geral; e vii) inconstitucionalidade material, por violação do princípio da capacidade contributiva, uma vez que, incidindo o tributo sobre a capacidade contributiva indiciada por cada Notário, ou se trata de um imposto, ou há uma dupla tributação, na medida em que essa capacidade já se encontra tributada pelos Impostos sobre o Ren- dimento a que os Notários estão sujeitos, em todo o caso vedada pelo princípio da capacidade contributiva consagrado nos artigos 13.º e 104.º da CRP. 2.3. Recorde-se, antes de mais, o travejamento fundamental acerca das classificações dos tributos na jurisprudência do Tribunal, tomando como referência o Acórdão n.º 539/15: “[…] É conhecida e tem sido frequentemente sublinhada, mesmo na jurisprudência constitucional, a distinção entre taxa e imposto. O imposto constitui uma prestação pecuniária, coativa e unilateral, exigida com o propósito de angariação de receitas que se destinam à satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas, e que, por isso, tem apenas a contrapartida genérica do funcionamento dos serviços estaduais. O que permite compreen- der que os impostos assentem essencialmente na capacidade contributiva dos sujeitos passivos, revelada através do rendimento ou da sua utilização e do património (artigo 4.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária). A taxa constitui uma prestação pecuniária e coativa, exigida por uma entidade pública, em contrapartida de prestação administrativa efetivamente provocada ou aproveitada pelo sujeito passivo, assumindo uma natureza sinalagmática. A taxa pres- supõe a realização de uma contraprestação específica resultante de uma relação concreta entre o contribuinte e a Administração e que poderá traduzir-se na prestação de um serviço público, na utilização de um bem do domínio público ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares (artigo 4.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária). A taxa tem igualmente a finalidade de angariação de receita. Mas enquanto que nos impostos esse propósito fiscal está dissociado de qualquer prestação pública, na medida em que as receitas se destinam a prover indistinta- mente às necessidades financeiras da comunidade, em cumprimento de um dever geral de solidariedade, nas taxas surge relacionado com a compensação de um custo ou valor das prestações de que o sujeito passivo é causador ou beneficiário. Assim, ‘a bilateralidade das taxas não passa apenas pelo seu pressuposto, constituído por dada presta- ção administrativa, mas também pela sua finalidade, que consiste na compensação dessa mesma prestação. Se a taxa

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