TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020
393 acórdão n.º 303/20 desse serviço por parte da entidade pública estadual e o referido Notário haverá uma correspetividade tal que será em si mesma bastante para que se descubra no tributo as características de «bilateralidade» e de «sinalagmaticidade» que, como vimos, formam o conceito constitucional de taxa . Aliás, sinal visível de que assim é confere-o o disposto no n.º 2 do artigo 16.º da Portaria, acima transcrito, e que determina o depósito das quantias cobradas a título de «taxa» à ordem do Instituto de Gestão Financeira e Patrimonial do Ministério da Justiça. A afetação da receita tributária, assim obtida, não à prossecução de uma finalidade pública geral de índole especialmente financeira (como é pró- prio dos impostos), mas ao património da concreta entidade pública prestadora dos serviços de que são exclusivos beneficiários os profissionais do notariado justifica-se, precisamente, pela estrutura «bilateral» que apresenta a relação que aqui se estabelece entre a atividade do ente público e o seu beneficiário. O facto de essa «bilateralidade» não implicar, necessariamente, a existência a todo o tempo e em qualquer momento de uma relação perfeitamente individualizada entre cada notário, por um lado, e cada serviço prestado pelo administração estadual – seja ele o registo de documentos e de informação disponibilizados pelas estruturas já existentes [v. g.«registo on line», «empresa on line», «certidão permanente», «automóvel on line»], seja ele o decorrente da existência de um Arquivo Público, ou seja ele, final- mente, o prestado pelos Serviços de Auditoria e Inspeção – é, em si mesmo, irrelevante . Relevante é o facto da existência de tais serviços proporcionar a cada profissional do notariado uma utilidade exclusiva, em virtude da atividade simultaneamente oficial e pública que é marca distintiva da sua condição estatutária. Uma vez que o exercício de tal atividade depende sempre do acesso ou da possibilidade de acesso aos documentos e informações disponibilizados e (ou) arquivados; uma vez que o exercício de tal atividade está sujeita – e está sujeita em termos exclusivos – tanto à fiscalização e ação disciplinar do Ministro da Justiça quanto à dos órgãos competentes da Ordem dos Notários, a simples disponibilização dos serviços aos notários, e a existência em si mesma dos serviços, que lhe são especial- mente dirigidos, de Auditoria e de Inspeção, constituem prestação pública correspetiva da atividade privada, e independente, que exercem. Tanto mais que, como já se disse, «[a] natureza do tributo, ainda que a correspetividade se medisse apenas em função do custo do serviço, não seria abalada mesmo que no montante a pagar não se repercutisse apenas o custo atomizado do serviço prestado, mas também, o conjunto das despesas inerentes ao funcionamento das enti- dades que realizam o serviço, recaindo sobre os utentes uma percentagem dos custos globais do funcionamento da respetiva atividade da Administração Pública – sempre sob ressalva da desproporção manifesta .» (Acórdão n.º 115/2002, cit.). 7. Do que vem de dizer-se resulta que não é inconstitucional, face ao disposto nos artigos 165.º, n.º 1, alínea i) e 103.º, n.º 2, da CRP, que o tributo tenha sido criado através de regulamento administrativo e não através de lei parlamentar. Tratando-se, como se trata, de um tributo bilateral, coincidente com o conceito constitucional de taxa e marginal ao conceito constitucional de imposto, a sua criação não fica reservada – como sucede com os impostos – à função legislativa do Estado, a exercer sob as vestes de ato legislativo parlamentar. É certo que, como vimos, esta conclusão pode vir a ser infirmada, se se concluir que o montante devido pelo particular a título nominal ou formal de «taxa» se revelar tão manifestamente desproporcionado – face à utilidade exclusiva que o mesmo particular retira do serviço público que lhe é prestado – que se torne por esse motivo impos- sível ver no tributo imposto, ou na estrutura da relação obrigacional que dele emerge, qualquer substancial traço de «sinalagmaticidade» ou «bilateralidade». Se tal suceder, outra via não haverá que não a que se consubstancie na conclusão segundo a qual o legislador, ao criar a imposição tributária, conferiu a forma de «taxa» a algo que na realidade das coisas é um «imposto», a lançar por decisão exclusiva do parlamento ou por ato legislativo governa- mental pelo mesmo parlamento autorizado. Todavia, a tal conclusão se não pode, no caso presente, chegar. Dado que «(…) a qualificação como taxa de um dado tributo não depende da verificação de uma equivalência económica rigorosa entre o valor do serviço e o montante da quantia a prestar pelo utente desse serviço», sendo antes apenas exigível que, de um ponto de vista jurídico, o pagamento do tributo tenha a sua causa e justificação – material, e não meramente formal – na perceção desse mesmo serviço (cfr. supra , Acórdão n.º 115/02), não basta, para que ao tribute falte o caráter sina- lagmático, uma qualquer desproporção entre a quantia a pagar e o valor do serviço prestado. O que é necessário é que essa desproporção seja de tal ordem manifesta que só por si comprometa a correspetividade pressuposta na relação sinalagmática . No caso, tal manifesta e inequívoca desproporção não pode ser demonstrada. A norma impugnada
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