TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020

392 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL do Notariado que «[o] notário é o jurista a cujos documentos escritos, elaborados no exercício da sua função, é conferida fé pública», sendo «simultaneamente um oficial público que confere autenticidade aos documentos e assegura o seu arquivamento e um profissional liberal que atua de forma independente, imparcial e por livre escolha dos interessados» (artigo 1.º, n. os 1 e 2, do Estatuto). Além disso, sendo ainda, de acordo com o n.º 3 do artigo 1.º do Estatuto, «[a] natureza pública e privada da função notarial incindível», o notário está simultaneamente sujeito à fiscalização e ação disciplinar do Ministro da Justiça e dos órgãos competentes da Ordem dos Notários (artigo 3.º), competindo-lhe em geral «redigir o instrumento público conforme a vontade dos interessados, a qual deve indagar, interpretar e adequar ao ordenamento jurídico, esclarecendo-os do seu valor e alcance» (artigo 4.º, n.º 1 do Estatutos). Perante esta condição estatutária, onde avultam, tanto a dupla condição que é hoje marca distintiva da função notarial (função própria de um oficial público que atua de forma independente, como profissional liberal), quanto as competências que nessa função vêm incluídas (resumidas em uma competência geral de redigir o instrumento público conforme a vontade dos interessados), duas conclusões há que podem desde já ser retiradas. Em primeiro lugar, uma diferença visível separa nestes domínios os Notários de profissão, por um lado, e os cidadãos, os advo- gados e solicitadores, por outro. É certo que todos necessitarão de recorrer a serviços prestados pelos sistemas de comunicação, de tratamento e de armazenamento da informação do Ministério da Justiça, estejam esses serviços integrados num só «sistema» ou sejam separadamente fornecidos pelo «registo on line », «certidão permanente» ou «empresa on line ». Mas enquanto para os segundos o acesso à informação assim disponibilizada será instrumental face à atividade profissional desenvolvida (solicitadores e advogados) ou face a qualquer outro fim (cidadãos), para o Notário do acesso à informação disponibilizada dependerá a possibilidade de exercício da própria profissão, que tem, como vimos, como elemento competencial nuclear, o «redigir o instrumento público conforme a vontade dos interessados». Sendo hoje o Notário um oficial público que atua como profissional independente, as informações disponibilizadas pelos serviços existentes de justiça constituem – ou recte : o acesso ou a possibilidade de acesso a essas informações constitui – uma utilidade que lhe será exclusiva, uma vez que é dela que depende o desenvol- vimento da própria atividade liberal que o distingue. O core business da atividade notarial depende da existência destes serviços e do acesso do profissional a eles. E depende de forma única e exclusiva, uma vez que o Notário e só o Notário é, nos termos do nosso direito, «o jurista a cujos documentos escritos, elaborados no exercício da sua função, é conferida fé pública». Sendo assim as coisas, nenhuma razão há para que se considere – como o fazem os recorrentes – que o tributo em causa é discriminatório para os Notários, uma vez que só estes pagam para aceder a serviços que os demais cidadãos podem obter gratuitamente. A razão pela qual se pode afirmar que a diferença introduzida pelo direito entre estes dois grupos de pessoas – cidadãos em geral, por um lado, profissionais do notariado, por outro – não configura uma discri- minação, ou uma diferença constitucionalmente proibida, está justamente no facto de só os notários de profissão desenvolverem uma atividade independente que, pela sua própria condição e natureza, depende constantemente do acesso ou da possibilidade de acesso à informação prestada. Uma vez que esta profissão, com estas características, não pode ser exercida por um qualquer outro grupo de pessoas, a utilidade que para o Notário detém a prestação desses serviços por parte do Estado não é comparável à utilidade que a mesma pode ter para quem mais quer que seja . O tratamento diferente que é reservado, neste domínio, ao notariado profissional tem assim um fundamento perfei- tamente inteligível, pelo que se não pode sustentar que a solução aqui encontrada pelo legislador mereça censura face ao princípio consagrado no artigo 13.º da CRP. A questão de saber se o tributo imposto pela norma impugnada é, estruturalmente, «unilateral» ou «bilateral» há de resolver-se em harmonia com o que acaba de ser dito. Tal como alegam os recorrentes, a «sorte» dos dois argumentos – o argumento relativo ao caráter igualitário ou discriminatório do tributo, e o outro relativo à sua estrutura bilateral ou unilateral – está estreitamente ligada: da resposta que se der a um dependerá a resposta que se dará a outro. Na verdade, se o acesso ou a possibilidade constante de acesso aos serviços públicos prestados pela organização e informação de documentos do Ministério da Justiça tem para o Notário de profissão uma utilidade exclusiva, não compartilhada nem pelo cidadão comum nem por qualquer grupo profissional, parece certo que entre a prestação

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