TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020
391 acórdão n.º 303/20 Finalmente, (v) , para levar a cabo tais competências, ou para poder determinar com rigor qual a natureza substan- cial de certo tributo, o Tribunal desenvolveu dois testes, decorrentes de toda a jurisprudência que acima se referiu . De acordo com o primeiro teste, qualquer tributo que fosse formalmente identificado pelo seu autor como «taxa», mas no qual se não vislumbrasse nenhuma bilateralidade ou sinalagmaticidade – isto é, no qual se não identificasse qualquer atividade do ente público, titular ativo da relação tributária, que, sendo especialmente dirigida ao sujeito passivo dessa mesma relação, justificasse a imposição do tributo enquanto contraprestação da atividade pública desenvol- vida –, seria qualificado, para efeitos constitucionais, como imposto, com as consequências jurídicas daí decorrentes . Por seu turno, e de acordo com o segundo teste, qualquer tributo, formalmente identificado pelo seu autor como «taxa», mas através do qual se exigisse ao sujeito passivo da relação tributária uma prestação pecuniária que, pelo seu montante, se mostrasse ostensivamente desproporcionada face ao benefício obtido pelo particular em virtude da atividade pública que lhe fora especialmente dirigida, mereceria, igualmente, censura jurídico-constitucional, por extravasar da noção substancial de taxa, decorrente da CRP. 5. No entanto, o Tribunal foi claro em advertir que o modo de aplicação destes dois testes aos casos concretos não poderia nunca radicar-se numa conceção estrita (ou privatística) de «sinalagmaticidade» ou «bilateralidade». Assim, e em relação à equivalência – existente entre a utilidade obtida pelos privados graças à atividade pública que lhes fosse especialmente dirigida e o montante da taxa paga em sua contrapartida – sempre se disse que «(…) a qualificação como taxa de um dado tributo não depende da verificação de uma equivalência económica rigorosa entre o valor do serviço e o montante da quantia a prestar pelo utente desse serviço. (.) O que é exigível é que, de um ponto de vista jurídico, o pagamento do tributo tenha a sua causa e justificação – material, e não meramente formal – na perceção de um dado serviço [pois] é esta a fundamentação que justifica a subtração das taxas ao princípio da legalidade..(.) Assim, não basta uma qualquer desproporção entre a quantia a pagar e o valor do serviço prestado, para que ao tributo falte o caráter sinalagmático. Será necessário que essa desproporção seja manifesta e comprometa, de modo inequívoco, a correspetividade pressuposta na relação sinalagmática .» E ainda: «Encontra-se implícita, nesta conceção, que a afe- rição do montante da taxa não decorre tanto do seu “custo”, mas, essencialmente, da utilidade que do serviço se extrai. » (Acórdão n.º 115/02, ponto 3.3. e 4.1. itálico no original). Do mesmo modo sempre se disse, e agora em relação ao próprio conceito de «tributo bilateral», que tal não poderia ser confundido com a relação obrigacional e sinalagmática que, sendo necessariamente atual e, por isso, não só individualizável como perfeitamente individualizada, unisse em certo momento um determinado sujeito ativo e um determinado sujeito passivo. A existência de tributos de estrutura bilateral grupal não seria, assim, algo que se situasse fora do conceito constitucional de «taxa» (Acórdão n.º 410/00; José Casalta Nabais, «Sobre o regime jurídico das taxas», Revista de Legislação e Jurisprudência , Ano 145.º, n.º 3994, Setembro-Outubro de 2015, pp. 25-45 [30]). Como se não situaria fora desse conceito a «taxa» devida em função da possibilidade de utilização de um bem público – sem que se exigisse a sua utilização efetiva e atual – desde que se provasse a relação existente entre o tributo devido e a especial utilidade que tal bem teria (no seu acesso efetivo ou potencial) para o particular sujeito passivo da imposição (Acórdão n.º 473/99, ponto 3.1.). Como finalmente não estaria fora desse conceito o tributo que, sendo a contrapartida da prestação de um serviço, implicasse para o entre público prestador uma receita em parte afetada a financiar os encargos resultantes da manutenção e gestão daquele mesmo serviço. Dizendo de outro modo e evocando as palavras do Acórdão n.º 115/02 (4.2.): «A natureza do tributo, ainda que a correspetividade se medisse apenas em função do custo do serviço, não seria abalada mesmo que no montante a pagar não se repercutisse apenas o custo atomizado do serviço prestado, mas também, o conjunto das despesas inerentes ao funcionamento das enti- dades que realizam o serviço, recaindo sobre os utentes uma percentagem dos custos globais do funcionamento da respetiva atividade da Administração Pública – sempre sob ressalva da desproporção manifesta». 6. O Decreto-Lei n.º 26/2004, de 24 de fevereiro, aprovou, no uso de uma autorização legislativa, o Estatuto do Notariado. Com tal aprovação pretendeu, fundamentalmente, o legislador, adotando «o sistema do notariado latino», con- sagrar em Portugal uma nova figura do notário, figura essa que passaria doravante a revestir «uma dupla condição, a de oficial, enquanto depositário da fé pública delegada pelo Estado, e a de profissional liberal, que exerce a sua ati- vidade num quadro independente.» (Exposição de motivos do decreto-lei). Neste contexto, determina o Estatuto
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