TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020

384 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL P. Acontece que daí não resulta, claro, qualquer contraprestação específica a favor dos Notários, ou, se se prefe- rir, não há aí – como se exige na jurisprudência deste Tribunal Constitucional e na lei, no n.º 2 do artigo 4.º da LGT – ‘a prestação concreta de um serviço público’. Q. Uma vez mais, assinala-se, no voto de vencido subscrito pela Veneranda Conselheira Maria de Fátima Mata- -Mouros e pelo Venerando Conselheiro João Caupers no Ac. 320/16, que o facto de o tributo aqui em causa ser pago por cada ato notarial, independentemente de ocorrer uma auditoria ou inspeção, faz com que o facto gerador não seja a prestação de um serviço mas sim a prática de um ato pelo próprio notário. R. Conclui-se que a “taxa” prevista no artigo 16.º, n.º 1, da Portaria n.º 385/2004 consubstancia um verdadeiro imposto, sendo a norma do artigo 16.º, n.º 1, da Portaria n.º 385/2004 orgânica e materialmente inconsti- tucional. S. Acresce que a consignação da receita ao IGFPJ, prevista no n.º 2 do artigo 16.º da Portaria n.º 385/2004, reforça a inconstitucionalidade, pois este instituto, dotado de autonomia administrativa e financeira, não é a entidade que tem competência para atuar ou prestar qualquer dos serviços ou contraprestações previstas na norma, como bem se sublinha no voto de vencido subscrito pela Veneranda Conselheira Maria de Fátima Mata-Mouros e pelo Venerando Conselheiro João Caupers no Ac. 320/16. T. São, neste contexto, seis as inconstitucionalidades de que padece a norma do artigo 16.º, n.º 1, da Portaria n.º 385/2004, na interpretação, sufragada pelo TCAS e pelo STA nos Acórdãos proferidos nos autos, no sentido da qual é admissível a cobrança aos Notários de um tributo especial pelo mero exercício da sua atividade. U. A primeira das inconstitucionalidades que inquina a norma constante do artigo 16.º, n.º 1, da Portaria n.º 385/2004 é a inconstitucionalidade orgânica desta norma por violação do princípio constitucional da legalida- de fiscal previsto do artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição. V. Esta inconstitucionalidade deriva do facto de o tributo pago pelos Recorrentes ao abrigo do referido n.º 1 do artigo 16.º da Portaria n.º 385/2004 configurar materialmente um imposto e ter sido criado por mera Portaria. W. Tendo os ora Recorrentes logrado demonstrar supra que a ‘taxa’ prevista no artigo 16.º, n.º 1, da Portaria n.º 385/2004 consubstancia, outrossim, um imposto – não se revestindo das características próprias das taxas como sejam a bilateralidade e sinalagmaticidade em que a exigência e o montante da taxa traduzam a contraprestação específica de um benefício ou de um prejuízo ou encargo ao Erário Público efetivamente auferido ou causado por estes – é forçosa a conclusão de que a criação deste imposto por simples Portaria fere de inconstitucionalidade orgânica a norma do artigo 16.º, n.º 1, da Portaria n.º 385/2004, por violação do artigo 165.º, n.º 1, alínea i) da CRP, onde se encontra consagrado o princípio da legalidade fiscal. X. A segunda das inconstitucionalidades que inquinam a validade do tributo previsto no artigo 16.º, n.º 1, da Porta- ria n.º 385/2004 e que, nessa medida, ferem de forma intolerável a norma daquele n.º 1 do artigo 16.º da Portaria n.º 385/2004 resulta da patente violação do princípio da igualdade, ínsito no artigo 13.º da CRP. Y. É que os Notários beneficiam, é certo, do acesso a diversos sistemas de comunicação online atualmente disponíveis em termos sustentáveis de acesso generalizado, como os serviços “Registos On-line ”, “Empresa On-line ”, “Certidão Permanente” e “Automóvel On-line ” – mas estes mesmos serviços (além de em nada esta- rem relacionados com os serviços que iriam ser abrangidos pelo “Sistema de Informatização Notarial”), são disponibilizados a terceiros (solicitadores, advogados, empresas em geral, cidadãos) em condições de absoluta gratuitidade. Z. Ora, tal redunda numa conclusão evidente: a “taxa” do artigo 16.º, n.º 1, da Portaria n.º 385/2004 é sectorial ( rectius , profissional), aplicando-se somente a uma pequeníssima parcela dos utilizadores e beneficiários dos serviços disponibilizados pelo Estado. AA. De quanto resulta a manifesta inconstitucionalidade da norma do n.º 1 do artigo 16.º da Portaria n.º 385/2004 quando interpretada no sentido de impor a apenas um grupo da sociedade – os Notários – o pagamento de um tributo pela utilização de um serviço disponibilizado gratuitamente a todos os outros cidadãos.

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