TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020
383 acórdão n.º 303/20 jurisprudência consolidada que citou, e bem, determinariam, conforme muito bem é assinalado no voto de vencido subscrito pela Veneranda Conselheira Maria de Fátima Mata-Mouros e pelo Venerando Conselheiro João Caupers neste mesmo Ac. n.º 320/16. D. A ‘taxa’ prevista no artigo 16.º, n.º 1, da Portaria n.º 385/2004 não se traduz (i) na prestação concreta de um serviço público, (ii) na utilização de um bem do domínio público ou às vezes também privado (iii) ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares, o que, nos termos do disposto no artigo 4.º, n.º da LGT seria necessário para que pudesse este tributo ser qualificado como taxa. E. Diferentemente, a ‘taxa’ prevista no artigo 16.º, n.º 1, da Portaria n.º 385/2004 consubstancia um verdadeiro imposto, unilateral e coativo, imposto aos Notários sem qualquer correspondência com serviços públicos prestados pelo Estado e de que estes efetivamente beneficiem ou sejam causadores e sem causa ainda na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares, o qual soçobra pela inexistência de uma proibição ou obstáculo que careça de levantamento e que a ‘taxa’ pudesse destinar-se a compensar. F. Está provado nos autos que os Notários (nos quais se integram os ora Recorrentes) não beneficiam (i) do ‘acesso aos sistemas de comunicação, tratamento e armazenamento da informação do Ministério da Justiça’, (ii) da ‘utilização do Arquivo Público’ e (iii) dos ‘Serviços de Auditoria e Inspeção’, que a norma do n.º 1 do artigo 16.º da Portaria n.º 385/2004 estabelece que a ‘taxa’ se destina a ressarcir. G. Não há, pois, em nenhum desses três casos, qualquer motivo juridicamente legítimo para a criação da taxa. H. No que respeita aos sistemas de comunicação, de tratamento e de armazenamento da informação do Minis- tério da Justiça – que seria, nos termos do artigo 16.º da Portaria n.º 385/2004, uma contraprestação pública enquadrada na taxa em causa –, a inconstitucionalidade é evidente, pois que, até hoje, o Estado não conferiu aos Notários o direito a aceder a ‘sistemas de comunicação, tratamento e armazenamento da informação’ que justi- fiquem o pagamento de qualquer quantia. I. Donde, não só não foi criado o ‘Sistema de Informatização Notarial’, como os sistemas próximos desse que foram, entretanto, criados pelo Estado nunca foram disponibilizados aos Notários – como sucede, por exemplo, com o importantíssimo serviço ‘Casa Pronta’, só disponível para as Conservatórias (e para as instituições bancárias). J. O que significa que, nessa parte, os montantes pagos pelos Notários, nos termos do artigo 16.º, n.º 1, da Por- taria n.º 385/2004, não consubstanciam o pagamento de uma taxa (por falta de contraprestação específica), mas de um imposto. K. Como bem é assinalado no voto de vencido subscrito pela Veneranda Conselheira Maria de Fátima Mata- -Mouros e pelo Venerando Conselheiro João Caupers no Ac. 320/16, o facto de o tributo aqui em causa ser pago por cada ato notarial, independentemente de este aceder a qualquer sistema, faz com que o facto gerador não seja a prestação de um serviço, mas sim a prática de um ato pelo próprio notário. L. Relativamente à suposta utilização do Arquivo Público, a cobrança da “taxa” é ainda mais injustificada à luz do direito das taxas, pois que só os Notários a quem foram atribuídas as licenças de atribuição de Cartórios Nota- riais que substituíram os antigos Cartórios Notariais Públicos é que ficaram com o dever e obrigação de manter os Arquivos existentes em tais Cartórios, mas todos pagam a mesma “taxa” do artigo 16.º, n.º 1, da Portaria n.º 385/2004, pelo que há quem pague por coisa que não devia – em relação a esses, é manifesto a falta de causa para o pagamento e, logo, a inconstitucionalidade do tributo criado e cobrado. M. Por outra banda, a existência de Arquivo Público não configura a prestação concreta de qualquer serviço público. Não há, de facto, qualquer serviço que seja individual e especificamente prestado aos Notários por conta do Arquivo Público – e se não há serviço desses, falta a justificação legal e constitucional para a cobrança da taxa. N. Também aqui, como é assinalado no voto de vencido subscrito pela Veneranda Conselheira Maria de Fátima Mata-Mouros e pelo Venerando Conselheiro João Caupers no Ac. 320/16, o facto de o tributo aqui em causa ser pago por cada ato notarial, independentemente de existir algum acesso ou serviço relativo ao “arquivo público”, faz com que o facto gerador não seja a prestação de um serviço, mas sim a prática de um ato pelo próprio notário. O. No que diz respeito aos Serviços de Auditoria e Inspeção, que também se encontram elencados no artigo 16.º, n.º 1, da Portaria em apreço, o pagamento da “taxa” destinar-se-ia a custear ou cobrir os encargos com a realização das auditorias e das inspeções.
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=