TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020

376 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL DECLARAÇÃO DE VOTO 1. Como o Acórdão não deixa de reconhecer, o critério normativo retirado do artigo 165.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, no sentido da intempestividade da junção de documentos supervenientes em sede de recurso para o Tribunal da Relação, foi tido como constitucionalmente conforme pelo Tribunal Constitu- cional, nos Acórdãos n. os 392/03, 397/06 e 90/13. Sancionou-se, assim, a opção legislativa que configura o recurso para a Relação como instrumento de reapreciação do julgamento da 1.ª instância e das provas aí pro- duzidas. A ponto de elementos probatórios supervenientes não poderem contribuir para aquele escrutínio. Tudo no pressuposto de que o sistema dispõe da «válvula de segurança» do recurso extraordinário de revisão, previsto no artigo 449.º do Código de Processo Penal, a franquear a porta a nova prova, conquanto dela se possam extrair “graves dúvidas sobre a justiça da condenação”. 2. O Acórdão considera, fundadamente, a meu ver, que esta jurisprudência “é inteiramente transponível para os autos”. A verdade é que, se bem vejo as coisas, parece desviar-se daquele entendimento, adotando uma modulação do critério normativo, que não acompanho. O crivo decisório mobilizado pelo tribunal a quo esgotou-se na extemporaneidade da documentação apresentada no recurso, não avaliando o seu significado e relevância probatória. A prova documental é rejei- tada porque é, pura e simplesmente, oferecida após o encerramento da discussão em primeira instância. Ou seja, por aplicação direta do artigo 165.º, n.º 1, do Código de Processo Penal. Sem mais. Já o Acórdão procede a uma análise da concreta tipologia de documentação apresentada e da sua fecun- didade heurístico-probatória. Curando de apurar se “tais documentos, objetivamente considerados, com- portam apenas uma outra valoração de situações já objeto de perícias ordenadas pelo tribunal de primeira instância”. 3. Ora, desse modo, o Acórdão assume – de forma mais ou menos implícita, mais ou menos exposta, mas irrecusável – um afastamento da jurisprudência do Tribunal Constitucional quanto à inadmissibilidade da junção da prova documental em sede de recurso com exclusivo fundamento na sua extemporaneidade. Independentemente de os documentos se afirmarem inócuos, pertinentes ou fulcrais para a defesa do arguido – e sempre no pressuposto da previsão do recurso de revisão para dar guarida a provas supervenientes. Ao afirmar a irrelevância probatória da documentação apresentada para abonar a constitucionalidade da norma sindicada, o Acórdão permite antecipar que, com outra avaliação, o juízo poderia ser diferente. O que, por sobre não corresponder a qualquer comando constitucional, introduziria uma perturbação significativa no sistema de recursos, coisa que só deveria acontecer no contexto de uma revisão profunda e sistemática da lei processual penal. O que justifica o meu afastamento do presente Acórdão, na parte em que discute a relevância da docu- mentação superveniente e repercute essa ponderação na norma impugnada. Em qualquer caso, subscrevo o acórdão, na parte em que não julga inconstitucional a norma do artigo 165.º, n.º 1, do Código de Processo Penal. – Manuel da Costa Andrade. Anotação: 1 – Acórdão publicado no Diário da República , II Série, de 10 novembro de 2020. 2 – Os Acórdãos n. os 392/03, 90/13 e 391/15 estão publicados em Acórdãos, 56.º, 86.º e 93.º Vols., respetivamente. 3 – Os Acórdãos n. os 62/16 e 101/16 estão publicados em Acórdãos, 95.º Vol.. 4 – Os Acórdãos n. os 674/16, 195/17, 173/18 e 74/19 estão publicados em Acórdãos, 97.º, 98.º, 101.º e 104.º Vols., respeti- vamente.

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