TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020
374 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acresce que a mesma jurisprudência, no tocante aos citados princípios estruturantes do sistema português de recursos em processo penal, não foi posta em causa no acórdão doTribunal Europeu dos Direitos Humanos, de 26 de junho de 2018, Pereira Cruz e outros contra Portugal , Queixas n. os 56396/12 e 3 outras (vide, emespecial, o § 219; a decisão é acessível a partir da ligação https://hudoc.echr.coe.int/fre#{ %22itemid%22:[%22001-184454%22 ]}). Por outro lado, no caso vertente, devido ao tipo de documentos concretamente em causa, isto é, a alu- dida circunstância objetiva inerente à natureza e finalidade dos documentos a juntar (cfr. supra o n.º 8), nem sequer se justifica questionar a dimensão do processo equitativo previsto no artigo 6.º da CEDH salientada por aquele Tribunal no citado Acórdão. Com efeito, a censura feita no caso Pereira Cruz respeitou à impos- sibilidade processual de o queixoso fazer apreciar jurisdicionalmente, em sede de recurso da matéria de facto, documentos tendo por objeto declarações feitas já depois da sentença condenatória – entrevistas a meios de comunicação social e uma autobiografia – que contradiziam diretamente os depoimentos anteriormente realizados pelos mesmos declarantes com referência a factos pelos quais o queixoso foi condenado (vide, em especial, os §§ 229 e 230). In casu , como se explicou anteriormente, os documentos que o recorrente pretendeu juntar aos autos em sede de recurso não são suscetíveis, segundo um juízo de evidência, de constituir prova direta de qualquer facto, limitando-se a valorar segundo juízos técnicos e com referência a um período temporal determinado não coincidente com aquele a que respeitou a apreciação feita pelo tribunal de 1.ª instância parte das situa- ções já anteriormente objeto de perícias ordenadas pelo mesmo tribunal. 12. Por último, é igualmente de afastar a violação dos demais parâmetros invocados pelo recorrente, ainda que este não fundamente autonomamente a sua alegação (cfr. as conclusões 17 e 20 das suas alegações). No que se refere ao artigo 32.º, n.º 7, da Constituição – que consagra o direito do ofendido «a intervir no processo, nos termos da lei» –, não se vislumbra, nem o recorrente o explica, em que medida a interpre- tação normativa questionada poderá, in casu , contender com qualquer direito processual do ofendido, tanto mais que os documentos cuja junção não foi admitida foram apresentados pelo arguido. O mesmo se pode dizer em relação ao princípio da presunção de inocência, consagrado no n.º 2 do artigo 32.º da Constituição. Está fundamentalmente em causa o reconhecimento do valor ético próprio de cada ser humano, daí resultando consequências para toda a estrutura do processo penal, «que, assim, há de assentar na ideia-força de que o processo deve assegurar todas as necessárias garantias práticas de defesa do inocente e não há razão para não considerar inocente quem não foi ainda solene e publicamente julgado culpado por sentença tran- sitada em julgado» (vide Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada , tomo I, 2.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2010, anotação X ao art. 32.º, pp. 722-723). É este, aliás, o sentido e alcance que vem sido reconhecido a este princípio pela jurisprudência deste Tribunal (vide, entre os mais recentes, os Acórdãos n. os 391/15, 62/16, 101/16, 674/16, 195/17, 173/18 e 74/19). Por outro lado, importa ainda ter em atenção que tal princípio se articula com o princípio in dubio pro reo : relativamente aos factos relevantes para a decisão do processo criminal, o juiz deve pronunciar-se de forma favorável ao arguido, sempre que ocorra um non liquet ou não supere a dúvida razoável quanto à prova dos mesmos (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, anotação VI ao artigo 32.º, pp. 518-519; e Jorge Miranda e Rui Medeiros, ob. cit. , anotação XII ao art. 32.º, pp. 724-725). Esta é uma consequência da presunção de inocência, pois de outro modo, a pronún- cia desfavorável ao arguido, e no limite a sua condenação, implicariam um ónus a cargo do arguido assente na presunção da sua culpabilidade. Com efeito, se, por força do princípio da investigação ou da verdade material, o tribunal tem o poder-dever de investigar o facto sujeito a julgamento independentemente dos contributos da acusação e da defesa, construindo autonomamente as bases da sua decisão (cfr. o artigo 340.º, n.º 1, do CPP), «a dúvida que fique aquém da razoável deverá ser valorada de forma favorável ao arguido, tanto mais que este se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação» (assim, vide Maria João Antunes, Direito Processual Penal , 2.ª edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 180).
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