TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020

372 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL «Em matéria penal, o direito de defesa pressupõe a existência de um duplo grau de jurisdição que, relativa- mente à sentença condenatória, se traduz na necessidade de assegurar ao arguido a faculdade de pedir a sua reapre- ciação, quer quanto à matéria de direito, como à matéria de facto, por um tribunal superior. Mas, o direito ao recurso constitucionalmente garantido não exige que o controlo efetuado pelo tribunal superior se traduza num julgamento ex novo da matéria de facto, com direito à produção de novos meios de prova, designadamente os supervenientes, podendo esse controlo limitar-se a aferir se a instância recorrida não cometeu um error in judicando , face às provas produzidas na 1.ª instância, conforme já se decidiu no Acórdão n.º 59/06 deste Tribunal (acessível em www.tribunalconstitucional.pt ) , onde se lê: “Na verdade, seria manifestamente improcedente sustentar que o recurso para o Tribunal da Relação da parte da decisão relativa à matéria de facto devia implicar necessariamente a realização de um novo julgamento, que ignorasse o julgamento realizado em 1.ª instância. Essa solução traduzir-se-ia num sistema de “duplo jul- gamento”. A Constituição em nenhum dos seus preceitos impõe tal solução…”. Daí que o direito do arguido recorrer da sentença condenatória, na parte em que decidiu a matéria de facto, possa não contemplar a possibilidade do tribunal de recurso apreciar novas provas que o arguido apresente em sede de recurso, mesmo que estas sejam supervenientes. É que tal fundamento de recurso já não se situa em sede de apreciação da correção do julgamento da instância inferior que não teve a possibilidade de ponderar tais provas, visando antes a realização de um novo julgamento pelo tribunal de 2.ª instância, que também valore a prova apre- sentada já em sede de recurso. Isto não quer dizer que a existência de novas provas não deva ser passível de utilização pelo arguido, de forma a que sejam assegurados, na plenitude, os seus direitos de defesa. Mas o mecanismo processual que possibilite essa utilização não passa necessariamente pela consagração do direito de solicitar a um tribunal de segunda instância, que está a decidir sobre a procedência de um recurso ordinário, que analise e pondere, em primeira mão, essas provas supervenientes ao julgamento em primeira instância. O nosso sistema processual penal prevê desde logo um expediente, no artigo 449.º do Código de Processo Penal, que, no seu n.º 1, alínea d) , admite a revisão da sentença transitada em julgado quando se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si, ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação. Nesse recurso extraordinário, há lugar a uma fase preliminar que decorre no tribunal que proferiu a decisão a rever (artigo 451.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), procedendo-se à produção da nova prova (artigo 453.º, do Código de Processo Penal). Terminada a realização destas diligências o processo é remetido ao Supremo Tribunal de Justiça, acompanhado de informação sobre o mérito do pedido de revisão (artigo 454.º do Código de Processo Penal). No Supremo Tribunal de Justiça, após vista ao Ministério Público, é então decidido o pedido de revisão, podendo ser ordenada a realização de qualquer diligência (artigo 455.º do Código de Processo Penal). Pondera-se se as novas provas oferecidas são suscetíveis de infirmar o decidido. Caso seja autorizada a revisão, o processo é reenviado ao tribunal de categoria e composição idênticas às do tribunal que proferiu a decisão a rever e que se encontrar mais próximo (artigo 457.º, n.º 1, do Código de Processo Penal). E se o condenado se encontrar a cumprir pena de prisão ou medida de segurança de internamento, o Supremo Tribunal de Justiça decide em função da gravidade da dúvida sobre a condenação, se a execução deve ser suspensa (artigo 457.º, n.º 2, do Código de Processo Penal). Se ordenar a suspensão da execução ou se o condenado não tiver ainda iniciado o cumprimento da sanção, o Supremo Tribunal de Justiça decide se ao condenado deve ser aplicada medida de coação legalmente admissível no caso (artigo 457.º, n.º 3, do Código de Processo Penal). Após a baixa do processo e realizadas as diligências que se entenderem necessá- rias, procede-se a novo julgamento da causa que já atenderá aos novos meios de prova, sem quaisquer limitações quer quanto à apreciação da matéria de facto, quer quanto à sua subsunção às disposições legais, observando-se em tudo os termos do respetivo processo como se não tivesse existido a decisão revista (artigo 460.º do Código de Processo Penal). Se a decisão revista tiver sido condenatória e o tribunal da revisão absolver o arguido, aquela decisão é anulada, trancado o respetivo registo e o arguido restituído à situação jurídica anterior à sua condenação (artigo 461.º, n.º 1,

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