TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020

367 acórdão n.º 289/20 Por isso tem a jurisprudência entendido que, em processo penal, encerrada a audiência em 1ª instância, deixa de ser admissível a junção de novos documentos. [Cfr. acórdãos do STJ de 30-11-1994 (CJ-STJ, II, III, pág. 262) e de 30-10-2001 –Proc. 1645/01-3ª Sec ( https://www.stj.pt/?page_id=4471 ) , destacando-se na jurisprudência das relações, como meros exemplos, os acs. de 17-04-2007 – Proc. 2989/07 da Relação de Lisboa, de 9-12-2004 – Proc. 150/04 da Relação do Porto, de 10-11-1999 Proc. 2182/99 da Relação de Coimbra (CJ, XXIV – V, pág. 47), de 2-02-2016 – Proc. 51/15.0GFELV.E1 da Relação de Évora e de 2-11-2015 – Proc. 44/08.4TAVN.G1 da Relação de Guimarães] Para o recorrente, a apresentação do documento na fase de recurso sempre seria de admitir com base no dis- posto nos arts. 425.º e 680.º do Código de Processo Civil. Argumenta que não se entenderia que tal suceda em processo civil, quando estão em causa interesses privados, as mais das vezes de carácter patrimonial, e tal não possa ocorrer em processo penal, onde o objeto do processo contende com a liberdade das pessoas. Como resulta do disposto no art. 4.º do Código de Processo Penal, para que em processo penal possam ser observadas as normas de processo civil é necessário, antes de mais, que o tribunal esteja perante um caso omisso que não possa ser resolvido por aplicação analógica do processo penal e desde que as normas do processo civil se harmonizem com o processo penal. No caso presente, falece, desde logo, o principal pressuposto, pois a situação em análise não é configurável como um caso omisso. Na verdade, o Código de Processo Penal contém norma própria respeitante à apresentação de documentos, a qual, diferentemente do que sucede em processo civil, não contém previsão acerca da apresentação de documentos com a motivação de recurso, nem mesmo se se tratar de documentos supervenientes à audiência de 1ª instância. Tal assim sucede por se tratar de uma opção do legislador do Código de Processo Penal, pois quando este definiu as regras que nesta matéria vigoram em processo penal, necessariamente conhecia os preceitos do Código de Processo Civil, e deles se quis afastar. […] Tal como se ponderou no acórdão n.º 406/03 do Tribunal Constitucional, “a intempestividade da junção de documentos supervenientes, na fase de recurso para a relação, está diretamente conexionada com os termos em que a lei regula os recursos em processo penal, particularmente, no que concerne à reapreciação da matéria de facto.” Os recursos têm sido considerados um remédio jurídico para pôr fim a um erro  in procedendo ou  in judicando , constituindo “meios processuais de impugnação de anteriores decisões judiciais e não ocasião para julgar questões novas” (J. Lebre de Freitas, Código de Processo Civil – Anotado , vol, 3, pág, 98). Ao tribunal superior não compete, pois, proferir decisão sobre questões que não tenham sido colocadas ao tribunal recorrido, mas, circunscrevendo-se aos elementos probatórios que este último tribunal teve ao seu dispor, analisar a decisão por ele proferida, aferindo da sua conformidade com as provas e com as normas legais.  Por isso se defende que “a admissão de um documento por pertinente implica que o recurso não verse integralmente sobre as provas produzidas que constituíram o meio de convicção do juiz de primeira instância, mas, também, sobre algo distinto que é o documento” (António Hen- riques Gaspar et alii, Código de Processo Penal Comentado , pág. 697). Merece, por conseguinte, concordância, a afirmação [de que] “levar em consideração os documentos apresen- tados no recurso significa continuar a produção da prova já produzida no julgamento da primeira instância em vez de conhecer apenas da decisão recorrida. Seria apreciar a decisão recorrida com base em prova que não tenha sido produzida na altura em que esta foi proferida.” Tal interpretação de modo algum fere os princípios ou preceitos constitucionais […]. Conforme afirmou o Tri- bunal Constitucional, no acórdão n.º 406/03, “a Constituição ( maxime , artigo 32.º n.º 1), se assegura o direito ao recurso, deixa, no entanto, ao legislador ordinário uma margem de livre conformação na regulação do recurso, não impondo, de modo algum, que esta se traduza na permissão de um segundo julgamento da questão decidida em 1ª instância. Nesta lógica se compreende, sem vício de inconstitucionalidade, a proibição de junção de documentos supervenientes com vista a alterar a matéria de facto dada como provada em 1ª instância”. Se e na medida em que se o documento superveniente à produção da prova tiver potencialidade para pôr em causa a justiça da condenação, sempre fica em aberto a possibilidade do recurso extraordinário de revisão.

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