TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020
366 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL B) Do mérito do recurso 7. O preceito interpretado e aplicado pela decisão recorrida é parte de um todo mais vasto; insere-se num sistema dotado de uma lógica própria e à luz do qual se tem de compreender o seu exato sentido e alcance. Diferentemente do que sucede no processo civil (cf. os artigos 425.º e 651.º, n.º 1, e, no caso dos recursos de revista, o artigo 680.º, todos do Código de Processo Civil), o CPP não admite que se juntem documentos com as alegações de recurso, mesmo nos casos de superveniência objetiva. No âmbito deste Código rege o já mencionado artigo 165.º, n.º 1: o «documento deve ser junto no decurso do inquérito ou da instrução e, não sendo isso possível, deve sê-lo até ao encerramento da audiência». No domínio processual penal, a inadmissibilidade da junção de documentos em sede de recurso para a relação que abrange a matéria de facto corresponde ao entendimento dominante. Com efeito, o requerimento de interposição do recurso de decisão proferida pela 1.ª instância é sempre motivado, devendo a motivação enunciar especificamente os fundamentos do recurso (artigos 411.º, n.º 3, e 412.º, n.º 1, ambos do CPP). Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar: a) os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; e c) as provas que devem ser renovadas ( ibidem , artigo 412.º, n.º 3). Por outro lado, importa não esquecer as questões de conhecimento oficioso: deteção de vícios decisórios ao nível da matéria de facto emergentes da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, previstos no artigo 410.º, n.º 2, do CPP (a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão e o erro notório na apreciação da prova), em ordem a «fundar uma decisão de direito numa escorreita matéria de facto» e à verificação de nulidades, que não devam considerar-se sanadas (cfr., entre muitos, e com remis- são para a jurisprudência constante, os acórdãos do Supremo Tribunal de justiça de 9 de janeiro de 2019, P. n.º 5/17.2GCMRA.S1, e de 10 de abril de 2019, P. n.º 107/17.5JAFAR.E1.S1). É neste quadro que a decisão do tribunal de 1.ª instância sobre matéria de facto pode ser modificada pela relação, nas condições previstas no referido artigo 431.º: «Ao regular a tramitação unitária do recurso, o Código de Processo Penal prevê, no art. 423.º n.º 2 respeitante à disciplina da audiência recursiva, que, após a exposição do relator, se siga a renovação da prova, quando a ela hou- ver lugar. Tal norma tem de ser conjugada com a do n.º 1 do art. 430.º, nos termos do qual, “quando deva conhecer de facto e de direito, a relação admite a renovação da prova se se verificarem os vícios referidos nas alíneas do n.º 2 do artigo 410.º e houver razões para crer que aquela permitirá evitar o reenvio do processo.” A renovação da prova está, pois, condicionada pela verificação de algum dos vícios referidos no n.º 2 do art. 410.º e pela prognose de que, dessa forma, se evitará o reenvio do processo. E, sendo assim, equivoca-se o recorrente quando defende que, segundo a lei processual, é admissível a junção de prova documental com a motivação do recurso ou a sua apresentação na audiência recursiva, justificando essa interpretação com o instituto da renovação da prova. Atentando no preceito do Código de Processo Penal, verifica-se que o convocado art. 165.º n.º 1 do Código de Processo Penal determina que a prova documental seja junta no decurso do inquérito ou da instrução, ou até ao encerramento da audiência em 1ª instância apenas no caso de não ter sido possível ao apresentante a sua junção em momento anterior, competindo-lhe alegar e provar essa impossibilidade. A letra do preceito não favorece, pois, de modo algum, o entendimento que o recorrente reclama. Acresce que, renovar a prova não é produzir nova prova, mas produzir de novo, agora perante a relação, prova que foi apreciada em 1ª instância, proporcionando ao tribu- nal superior a possibilidade de sanar os vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, de contra- dição insanável da fundamentação ou de erro notório na apreciação da prova. Deste modo, a norma do art. 423.º em nada colide, antes se mostrando em harmonia, com o disposto no art. 165.º do Código de Processo Penal.
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