TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020
355 acórdão n.º 288/20 A constatação da violação deste princípio dispensa, assim, na linha das decisões anteriores, indagação acerca da eventual violação do direito a uma existência condigna, nos termos em que tem sido recortado pela jurisprudência constitucional, ou do princípio da dignidade da pessoa humana, invocados pelo recorrente. III – Decisão Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide-se: a) Julgar inconstitucional a norma contida no artigo 15.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 196/94, de 21 de junho (Regulamento Disciplinar da Polícia Judiciária), na medida em que determina, para os funcionários e agentes aposentados, a perda total do direito à pensão em substituição da pena de suspensão, por violação do princípio da proporcionalidade, decorrente do artigo 2.º da CRP; e, em consequência, b) Negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida. Sem custas. Tem declaração de voto da Senhora Conselheira Mariana Canotilho . Lisboa, 28 de maio de 2020. – Mariana Canotilho – Pedro Machete – Fernando Vaz Ventura – Manuel da Costa Andrade. DECLARAÇÃO DE VOTO Votei a decisão, a cujos fundamentos adiro. Todavia, entendo que existe outro fundamento para o jul- gamento de inconstitucionalidade no presente caso, além da violação do princípio da proporcionalidade. Como tive oportunidade de explicar, na declaração de voto proferida no Acórdão n.º 660/19, que aqui renovo: «devem ter-se também em consideração as normas sobre o direito fundamental aqui afetado, a saber, o direito à aposentação, corolário do direito à segurança social, consagrado no artigo 63.º da Constituição. É meu entender que a norma em apreciação constitui uma violação do dever estadual de respeito pelos direitos fundamentais, ou seja, da dimensão negativa do direito à segurança social, que se traduz “num dever de abstenção, de não interfe- rência nas esferas de autonomia, de liberdade e de bem-estar dos particulares garantidas pelos direitos fundamen- tais” (cfr. Jorge Reis Novais, Direitos Sociais – Teoria Jurídica dos Direitos Sociais enquanto Direitos Fundamentais, AAFDL Editora, 2.ª edição, 2016, p. 310). Este dever de respeito, por parte do Estado, “inclusive na sua dimensão principal de dever de abstenção, tanto se aplica aos tradicionais direitos de liberdade, como a qualquer direito fundamental, incluindo, naturalmente, os direitos sociais (...). Também relativamente aos direitos sociais o Estado tem uma obrigação de respeitar o acesso individual aos bens protegidos, uma obrigação de não interferir com esse acesso, de não o afectar negativamente, de se abster de intervir nas possibilidades e capacidade de acesso que o particular, por si próprio, ou integrado em instituições ou associações de que faz parte, autonomamente alcançou” (Jorge Reis Novais, op. cit. , p. 311-312). Nestes termos, torna-se claro que pode haver violações de direitos sociais com origem não na violação de uma obrigação positiva, de facere , mas sim no incumprimento de obrigações nega- tivas por parte do Estado. No caso dos autos, o corte total do valor da pensão de reforma a um cidadão que não tem outros rendimentos, como sanção aplicada num processo disciplinar, põe, naturalmente, em causa, antes de mais, o direito fundamental à segurança social, na dimensão do direito à pensão, e até, reflexamente, o direito a uma existência condigna, o direito ao desenvolvimento da personalidade e o princípio da dignidade da pessoa humana (nos termos em que
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