TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020

353 acórdão n.º 288/20 constituem infração disciplinar, que não foi o arguido o agente da infração ou que não é de exigir responsabilidade disciplinar por virtude de prescrição ou outro motivo ( idem , p. 43 e 51 a 54). E sublinhe-se que a sujeição ao poder disciplinar dos funcionários e agentes que tivessem passado à situação de aposentados, com a consequente possibilidade de substituição das penas profissionais por sanções de natureza pecuniária, que vigorava no domínio do Estatuto Disciplinar de 1984 (artigos 5.º, n.º 3, e 15.º), deixou de ter aplicação com a aprovação do Estatuto Disciplinar aprovado pela Lei n.º 58/2008, que prevê a extinção da pena com a cessação da relação jurídica de emprego público e desde que esta não volte a ser renovada (artigo 12.º) – o que também explica a cessação da execução das penas em curso, à data da entrada em vigor da Lei, relativamente a trabalhadores aposentados (artigo 4.º, n.º 8, da Lei n.º 58/2008) –, regime que ainda se mantém com a atual Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, como resulta por argumento a contrario sensu do disposto no seu artigo 176.º, n. os 3 e 4. O que significa que o legislador, em consonância com o regime vigente no direito laboral comum, passou a desconsiderar a execução de penas que atinjam o agente na sua carreira profissional ou na sua situação funcional, sempre que se verifique uma outra causa de cessação da relação de emprego (como será o caso da exoneração ou da aposentação), o que aponta para a ideia de que a finalidade característica das medidas disciplinares é a prevenção especial, que deixa de ter cabimento quando o agente se encontre já desligado do serviço ativo. 6. A aplicação de uma sanção que se traduz na privação total da pensão de aposentação em relação a um funcionário que se encontra já desligado do serviço por ter passado à situação de aposentado não pode já visar um qualquer efeito de prevenção especial e apenas pode justificar-se por considerações retributivas e de prevenção geral, assentando na necessidade de retribuir o dano causado pelo facto ilícito e de exercer um efeito intimidativo relativamente aos trabalhadores no ativo. No entanto, a medida, ao implicar a ablação total da pensão, ultrapassa a natureza estritamente pecuniária de uma pena disciplinar e atinge as condições de subsistência do agente, que fica privado, por período prolongado de tempo, da prestação que deveria substituir, por efeito da passagem à aposentação, os rendimentos da atividade pro- fissional. Desse modo, a ablação ocorre não já no quadro da relação de serviço, mas no âmbito da relação jurídica de segurança social, que assenta num princípio de contributividade e que tem pressuposta a direta correlação entre o direito às prestações e a obrigação de contribuir (Acórdão n.º 188/09).  Além disso, uma medida predeterminada em relação ao montante da pensão declarada perdida e ao tempo de duração da perda do direito, sem qualquer ponderação do efeito que poderá produzir nas condições básicas de vida do arguido, põe em causa o princípio da proporcionalidade, na vertente da necessidade ou exigibilidade, porquanto uma solução legislativa que preservasse um rendimento mínimo destinado a garantir a existência condigna, ainda que prevendo o correspondente alargamento da duração da pena por forma a alcançar a mesma intensidade de sacrifício patrimonial, poderia atingir, com o mesmo grau de eficácia, os fins de retribuição e prevenção geral sem pôr em risco o direito à subsistência. É, aliás, ilógico e desrazoável que se suprimam as prestações substitutivas dos rendimentos do trabalho cobertas por um sistema previdencial de caráter contributivo e obrigatório, sem qualquer ponderação do resultado negativo que possa ter na situação de vida dos destinatários, e simultaneamente se invoque o direito de assistência material, enquadrado num sistema de proteção social não contributivo e financiado por transferências do Orçamento do Estado, para fazer face às situações de carência que daí possam resultar e assim dar concretização ao direito a uma existência condigna (cfr. artigos 26.º e 90.º, n.º 1, da Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro). O que bem demonstra que a existência de mecanismos de cunho assistencialista, no âmbito do sistema de segu- rança social, não é por si só determinante para afastar o caráter desnecessário e excessivo de uma medida legislativa que, em si mesma, é suscetível de criar situações de carência e de insegurança material que devam ser reparadas por via dessas outras formas de assistência material. Não releva, por outro lado, o argumento de que o princípio da existência condigna poderia também inviabili- zar a aplicação de penas de demissão. A situação não é, de nenhum modo, equiparável à perda do direito à pensão. Os efeitos patrimoniais da medida expulsiva de demissão, com a supressão das remunerações correspondentes ao exercício do cargo, são a mera consequência da extinção da relação laboral. No entanto, o agente, uma vez que

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=