TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020
352 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL o agente demitido pode retomar a sua vida profissional e dessa forma obter outras fontes de rendimento, o pensionista não dispõe dos mesmos mecanismos de adaptação às circunstâncias resultantes da supressão da pensão, razão pela qual, a inexistência de uma cláusula de salvaguarda que evite a sua supressão total pode pôr em causa as suas condições básicas da vida. Neste sentido, afirma-se, mais concretamente, no Acórdão n.º 858/14: «(…) 5. Ainda que deva reconhecer-se que a perda do direito à pensão como consequência da prática de infração dis- ciplinar e a penhora de salários ou prestações sociais para satisfação coerciva de um direito de crédito se encontram subordinadas a razões de política legislativa com um diferente grau de relevância, o certo é que o direito fundamen- tal a uma existência condigna, como emanação do princípio da dignidade da pessoa humana, quando seja aplicável a qualquer dessas situações, está sujeito a um mesmo critério de ponderação valorativa. A jurisprudência do Tribunal reconheceu na dignidade da pessoa humana «um verdadeiro princípio regulativo primário da ordem jurídica, fundamento e pressuposto de validade das respetivas normas» (Acórdão n.º 105/90), diretamente convocável, também na área de tutela atinente às condições materiais de vida. Nessa jurisprudência, o núcleo essencial da garantia de existência condigna, inerente ao respeito pela dignidade da pessoa humana, tem sido perspetivado, de forma reiterada e constante, por referência ao valor do salário mínimo nacional, considerado como «a remuneração básica estritamente indispensável para satisfazer as necessidades impostas pela sobrevivência digna do trabalhador». Por tal valor «ter sido concebido como o mínimo dos mínimos não pode ser, de todo em todo, reduzido, qualquer que seja o motivo» (Acórdão n.º 62/02). É com base em tal enquadramento que o Tribunal tem entendido que a Constituição impõe a impenhorabili- dade de pensões sociais de montante reduzido, que não exceda o salário mínimo nacional, e inviabiliza a penhora de rendimentos do trabalho que possa conduzir à privação da disponibilidade do salário mínimo nacional, quando o devedor não for titular de outros bens ou rendimentos suscetíveis de penhora (Acórdão n.º 177/02). Foi ainda à luz da garantia de um mínimo de sobrevivência que o Tribunal considerou constitucionalmente justificável a impo- sição legal às entidades seguradoras da atualização anual das pensões por morte causada por acidente de trabalho (Acórdão n.º 232/91). E não se vê nenhum motivo para que este mesmo princípio não seja invocável quando está em causa a supres- são da totalidade da pensão de aposentação por um período contínuo de 4 anos, ainda que essa supressão resulte da aplicação de uma medida disciplinar. As medidas disciplinares visam a proteção da capacidade funcional da Administração e têm como principal finalidade a «prevenção especial ou correção, motivando o agente administrativo que praticou uma infração dis- ciplinar para o cumprimento, no futuro, dos seus deveres, sendo as finalidades retributiva e de prevenção geral só secundária ou acessoriamente realizadas» (Luis Vasconcelos de Abreu, Para o Estudo do Procedimento Disciplinar no Direito Administrativo Português Vigente: as Relações com o Processo Penal, Coimbra, 1993, p. 43). Assim se explica que as medidas expulsivas sejam aplicadas em caso de infração que inviabilize a manutenção da relação laboral e, portanto, naquelas situações em que o agente, pela sua conduta, mostrou não dar garantias de poder continuar a contribuir para assegurar a capacidade funcional da Administração (artigo 26.º, n.º 1, do Estatuto Disciplinar de 1984, replicado no artigo 18.º, n.º 1, do Estatuto Disciplinar de 2008, e no artigo 187.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas). Ao contrário, os fins de prevenção geral no âmbito do direito disciplinar encontram-se desde logo comprome- tidos pela vigência do princípio da oportunidade, pelo qual a Administração dispõe de liberdade para desencadear a perseguição disciplinar de uma infração, cabendo-lhe decidir, em face das circunstâncias do caso, se é conve- niente do ponto de vista do interesse público exercer o poder disciplinar. Alguns afloramentos desse princípio encontravam-se nos artigos 50.º, n.º 1, e 57.º, n.º 1, do mesmo Estatuto, que conferiam à entidade competente, logo que seja recebido o auto, participação ou queixa, o poder decidir se há lugar ou não a procedimento discipli- nar, e ao instrutor a possibilidade de propor o arquivamento se entendesse que os factos constantes dos autos não
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