TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020

345 Nesta conformidade, passados os cinco dias previstos pelo artigo 323.º, n.º 2, dispensada por lei a cita- ção prévia e efetuada a penhora, incide o instituto da citação ficta, com o efeito de interromper o prazo de prescrição. Pergunta-se: nessas circunstâncias, a dimensão normativa que escusa o exequente de solicitar expres- samente a citação do executado fere o princípio constitucional da segurança jurídica e da proteção da con- fiança? Considerando tudo o que veio de se expor, a resposta só pode ser negativa. Nenhum dos três pressu- postos atrás elencados, cuja verificação é indispensável à existência de uma confiança constitucionalmente tutelada, podem dar-se por cumpridos no presente caso. Como se registou atrás, a segurança jurídica e a confiança preservam a estabilidade do sistema jurídico e são contrariadas quando há alguma frustração de expetativas legítimas dos cidadãos, alimentadas por com- portamentos dos poderes públicos, em situações nas quais aqueles tenham feito opções relevantes e decisivas, tendo por fundamento as expetativas de manutenção de um determinado regime jurídico. Ora, o que temos, no presente, é que a executada não dispunha de qualquer legítima expetativa de ser citada previamente, porque decorria da própria lei que assim não devesse ser. A lei processual optou por assegurar que seja dado conhecimento da ação ao executado por outro meio, designadamente, através da penhora e do desenrolar dos seus procedimentos (desde logo a atuação de um agente de execução); visou, assim, assegurar quer o direito do devedor a defender-se, quer o direito do credor a não ver impedida a cobrança dos seus créditos devido a causas que não lhe são imputáveis. Não se vê, por isso, de que forma possa este regime legal, ao bastar-se com a propositura da ação para pagamento de quantia certa, sem pedido expresso de citação do executado, como manifestação de intenção do credor de exercer o seu direito, causar instabilidade ou imprevisibilidade inconstitucionais. É, pois, compatível com o princípio constitucional da confiança que a propositura da ação executiva baste para operar a citação ficta e, bem assim, interromper o respetivo prazo prescricional. 16. Por idênticas razões, não se cogita que a norma posta em crise incorra em inconstitucionalidade à luz da garantia fundamental de processo equitativo/devido processo legal, constante do artigo 20.º da CRP. Na verdade, não se verifica que a dimensão normativa adotada pelo Tribunal a quo extravase o sentido ou a finalidade do disposto no artigo 323.º, n.º 2, do Código Civil. Ao revés, a decisão recorrida aplicou devida- mente a norma no sentido de salvaguardar a estrutura dos direitos e interesses legalmente protegidos, já que era inexigível o requerimento de citação para que se desencadeasse o efeito interruptivo a partir da tomada de conhecimento da ação executiva por parte da executada, que se deu por outro ato. A garantia do processo justo radica na ideia de que os litigantes consigam efetivamente apresentar os argumentos que entendam adequados para a construção da tese que querem demonstrar perante um Tri- bunal, que tem a responsabilidade de apreciá-las de forma imparcial, independente e criteriosa, na forma e na substância. Trata-se de um princípio distintivo dos Estados democráticos, que o protegem como direito fundamental, e que pressupõe a tutela jurisdicional materializada na interdição da arbitrariedade. Conse- quentemente, as partes que tenham a mesma natureza – ou seja, que dividam o mesmo locus material de intervenção processual –, mas com interesses contrapostos em juízo, não podem ser privadas de condições e expedientes paritários para defender e contraditar as posições jurídicas que lhes correspondam. Por outras palavras, o processo equitativo assegura que os litigantes partam de uma situação real de igualdade de esta- tuto para confrontarem as suas pretensões. No caso dos autos, não se vislumbra que a decisão recorrida tenha contrariado tal garantia jusfunda- mental – examinada nos seus seus eixos de defesa, contraditório, igualdade de armas, prazo razoável, acesso aos tribunais, independência (nesse sentido, vide, por todos, a densificação desses parâmetros trazida pelo Acórdão n.º 675/18 e toda a jurisprudência e doutrina aí referidas) – ao perfilhar a interpretação normativa que delineou o objeto do presente recurso. Compulsado o desenvolvimento do processo a quo, não se pode deduzir, de nenhum ângulo, que à recorrente-executada tenham sido retirados, ou sequer restringidos, tais direitos constitucionalmente aclamados, em razão da aplicação infraconstitucional da lei que levou à afirma- ção da interrupção da prescrição, a qual está amparada pelo raciocínio que se consignou supra . acórdão n.º 286/20

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