TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020

344 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Nesta medida, é, naturalmente, ampla a liberdade do legislador para engendrar soluções normativas no plano infraconstitucional, de forma a regular de maneira equilibrada os inúmeros vínculos jurídicos que se criam entre particulares, no desenvolvimento normal e regular da sociedade. O desenho de meios processuais para garantir o pagamento de dívidas, matéria em que se insere a dimensão normativa aqui em apreço, insere-se nessa larga margem de atuação, e é a esta luz que deverá ser avaliada a presente questão de constitucionalidade. 14. A ficção criada pelo artigo 323.º, n.º 2, do Código Civil, suscetível de produzir os efeitos interrup- tivos da prescrição, tem por objetivo conferir estabilidade às relações jurídicas previamente estabelecidas, em virtude das quais tenha sido manifestado o interesse do titular do direito (credor) em exercer a sua facultas agendi contra o sujeito passivo da obrigação (devedor). De forma a estabilizar os vínculos obrigacionais, a lei determina, por um lado, que a duração válida de um crédito não pode ser interminável, pois tal solução converter-se-ia numa excessiva onerosidade para o devedor, que jamais ficaria livre da sua dívida. Porém, por outro lado, a lei determina as hipóteses em que o cômputo extintivo de tal prazo pode sofrer ajustes, visto que não fixar quaisquer modalidades que mudem a sua forma de contagem originaria uma desvantagem excessiva para o credor que tenha assumido atempadamente uma posição ativa, com vista à satisfação do seu crédito. In casu , concretamente, temos um credor que, por meio de uma ação executiva, exerceu o seu direito subjetivo de cobrança dentro dos prazos legais (a 19 de fevereiro de 2009), isto é, antes de sobrevir a extinção prescritiva do título que lhe assiste. Como destacado supra , a interrupção da prescrição acontece, em princí- pio, nos termos do n.º 1 do artigo 323.º do Código Civil, com a tomada de conhecimento, pelo executado, da pretensão do exequente, desde que este não concorra para nenhum atraso na apreensão deste exercício potestativo (“a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito”). Assim, o critério que releva é o do momento em que o executado passa a ter conhecimento da execução em curso. É esta a finalidade da citação ou da notificação a que alude o artigo 323.º do Código Civil. Ocorre, todavia, que, no presente caso, não teve lugar a citação prévia porquanto o primeiro ato processual foi – e tinha legalmente de ser – a penhora, em particular a penhora dos vencimentos da executada (que aconte- ceu a 14 de abril de 2015). Refira-se, ainda, que ficou registada nos autos, por ofício dirigido ao agente de execução, o rito dessa tramitação processual, em 9 de março de 2009 (fls. 34). Após a penhora, a executada- -recorrente foi regularmente citada em 8 de julho de 2015. Não tendo havido citação, entendeu o tribunal a quo enquadrar a situação no disposto no n.º 2 do artigo 323.º do Código Civil, que prevê uma solução fundada numa ficção jurídica – a interrupção do prazo prescricional como se a citação tivesse ocorrido (citação ficta), nos casos em que a sua inexistência não é imputável ao requerente/exequente. Ou seja, ficciona-se que a executada tomou conhecimento da existência do processo de execução cinco dias após a sua propositura. É, precisamente, esta interpretação – segundo a qual a inexistência de pedido expresso de citação, por parte do credor, não constitui uma “causa imputável ao requerente”, nos termos do n.º 2 do artigo 323.º do Código Civil, uma vez que a simples propositura da ação executiva constitui expressão bastante da intenção de exercer o direito, valendo como requisição da citação para efeitos de interrupção do prazo prescricional, nos termos legais –, que vem agora questionada, alegando-se vício de inconstitucionalidade. 15. Prosseguindo o raciocínio anterior: a citação, ou notificação, prevista no artigo 323.º, n.º 2, do Código Civil, refere-se à ação. Cita-se, ou notifica-se, o sujeito passivo da ação proposta, pois este é o meio inaugural pelo qual o Estado (e não o autor/exequente), no exercício da sua função jurisdicional, informa a parte do curso processual. Por imperativo lógico, quando o primeiro ato previsto, em processo executivo, é a penhora de bens do devedor, decorrente do próprio regime jurídico da ação executiva, parece claro que a sua propositura basta para dar conhecimento ao executado da sua deflagração. Os deveres do exequente são intentar a ação em tempo útil, não causando atrasos na prática de quaisquer atos processuais.

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