TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020

343 Ou seja, uma vez que o regime legal da prescrição envolve as garantias de segurança e de certeza jurídicas relativamente à evolução temporal dos vínculos jurídicos, a manifestação de interesse do credor, por meio do recurso aos tribunais ( v. g. ação executiva), “não pode deixar de interromper aquele efeito, anulando o prazo entretanto decorrido. […] Evidenciada a intenção de exercer o direito através da interposição de ação judicial em que o mesmo é reclamado, deixa de estar nas mãos do titular do direito o controlo referente à sua efetivação” (ponto 6.9). Importa destacar que o que estava em causa neste processo era a circunstância de a citação ter sido concretizada, pela autoridade pública competente, mais de vinte anos após a verificação dos factos e, ainda assim, diante disso, o Tribunal ter concluído que os efeitos de interrupção da prescrição foram produzidos com a passagem dos cinco dias estatuídos, conforme fixado pelo artigo 323.º, n.º 2, do Código Civil, e que tal defluência de ficção não violara o princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança. 12. Com isto, resta apurar, nos presentes autos, se nas ações executivas cujo primeiro ato processual não é a citação prévia, mas sim a penhora, estará de acordo com a Constituição da República Portuguesa a ocorrência da citação ficta, para efeitos de interrupção do prazo prescricional, não sendo necessário que o exequente solicite expressamente a citação do executado. c) Mérito 13. Cabe, antes de mais, avaliar a conformidade da norma atacada com o princípio constitucional da segurança jurídica e proteção da confiança, primeiro fundamento de inconstitucionalidade alegado pela recorrente. Deve, em primeiro lugar, assinalar-se que, nos termos de jurisprudência constitucional constante e reiterada, a mobilização da segurança jurídica e da tutela da confiança, enquanto parâmetros da constitu- cionalidade de normas, está fundamentalmente correlacionada com o poder de autorrevisibilidade das leis, designadamente com a projeção de efeitos de uma lei nova sobre situações jurídicas pré-constituídas. Ora, não é esse o problema que aqui é colocado, nem mesmo no que poderia ser considerado o seu equivalente jurisprudencial, ou seja, uma interpretação normativa de tal modo inovadora e distinta da interpretação jurisprudencial comum até então adotada que constituísse, na prática, uma revisão da norma efetivamente aplicável, em sede jurisdicional, a uma situação jurídica pré-constituída. Esta constatação bastaria, desde logo, para afastar a mobilização do princípio da proteção da confiança enquanto parâmetro de constitucio- nalidade no presente caso. Todavia, ainda que assim não fosse, sempre se diria o seguinte: o princípio da segurança e da confiança, resultante da consagração do Estado de direito democrático, inscrito no artigo 2.º, da CRP, visa tutelar as legítimas expetativas de previsibilidade do sistema jurídico, isto é, a manutenção protetiva de certas soluções normativas acolhidas pelo ordenamento jurídico, em relação às quais os cidadãos podem procurar fiscaliza- ção e tutela, maxime , dos tribunais. Assim, tal dúplice princípio impõe que haja um mínimo nível de certeza, que possibilite a fruição dos direitos das pessoas e, ao mesmo tempo, impede qualquer afetação arbitrária ou excessivamente onerosa sobre os interessados, que abale os pilares de estabilidade das relações juridica- mente constituídas. Nestes termos, a jurisprudência constitucional tem repetidamente sustentado (vejam-se, a título de exemplo, os Acórdãos n. os 128/09 e 413/14), que, para se estar perante uma situação de confiança constitucionalmente tutelada, é indispensável que se verifiquem cumulativamente três elementos: i) que as expetativas de estabilidade do regime jurídico em causa tenham sido induzidas ou alimentadas por compor- tamentos dos poderes públicos; ii) que tais expetativas sejam legítimas, fundadas em boas razões, a avaliar no quadro axiológico jurídico-constitucional; iii) por último, que o cidadão tenha orientado a sua vida e feito opções decisivas, precisamente, com base em expetativas de manutenção de um determinado regime jurídico. Deverá ser igualmente tido em conta o indispensável contrapólo valorativo, constituído pelo inte- resse público ou pelos direitos ou interesses legalmente protegidos que fundamentem a opção do legislador. acórdão n.º 286/20

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