TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020

334 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL E) Porque o facto de aquando da instauração da execução no regime em vigor (até 2013) prever que a execução iniciava-se pela penhora, só depois se concretizando a citação (conforme o artigo 812.º-B, n.º 1 do CPC revo- gado), não permite ao Tribunal a quo prescindir do requerimento, por parte da recorrida, para a realização da citação da recorrente. F) Porque ao fazê-lo dessa forma, tal erro de interpretação favorece a conduta negligente da recorrida em detri- mento da recorrente, que por sua vez vê-se diante de uma violação dos princípios constitucionais da segurança e da confiança jurídica, bem como do processo equitativo (o devido processo legal), respetivamente consagra- dos nos artigos 2.º e 20.º, ambos da CRP. G) Violou, assim, o Tribunal a quo, entre outros, o disposto no artigo 323.º, n.º 2, do CC. H) O entendimento perfilhado pelo Tribunal a quo na douta Sentença proferida no âmbito processo em epígrafe, relativamente à interpretação conferida à norma do n.º 2 do artigo 323.º do CC, no sentido de que não é necessário ao exequente (ora recorrido) requerer a citação prévia da executada (ora recorrente), para beneficiar- -se daquela norma excecional, é inconstitucional, por violação dos princípios da segurança e da confiança jurídica, bem como do processo equitativo (o devido processo legal), respetivamente consagrados nos artigos 2.º e 20.º, ambos da CRP.” 3. Aquele tribunal, por meio do referido acórdão de 7 de março de 2019, julgou improcedente o recurso interposto, nos seguintes termos: “Está em causa a aplicação do artigo 323. n.º 2 do Código Civil, o qual estipula que se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias. Esta norma prevê o que se tem chamado de citação ficta e insere-se no âmbito da interrupção da prescrição promovida pelo titular do direito. Como é sabido e determina o n.º 1 deste artigo, a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito. A prescrição, cujo prazo aqui importa apurar se se interrompeu, visa tutelar a segurança do comércio jurídico, protegendo o interesse do devedor na sequência do decurso de determinado período de tempo decorrido entre a exigibilidade da dívida e a data em que é pedido o seu pagamento, período de tempo este que a lei considera sufi- ciente para que aquele possa confiar que a dívida já lhe não será exigida. Prejudica, pois, o interesse do credor em ver satisfeito o seu crédito, na sequência do atraso ou negligência no exercício do seu direito. No entanto, quando o credor demonstre a vontade de o exercer, na forma prescrita por lei, ainda antes de ocorrer a prescrição, esta interrompe-se e inutiliza-se todo o tempo decorrido anteriormente. Em regra, interrompido o prazo prescricional, começa a correr novo prazo a partir do ato interruptivo, nos termos do artigo 326.º n.º 1 do Código Civil. Tal não ocorre, no entanto, no caso ora em discussão, porquanto se tal interrupção resultar de citação, notificação ou ato equiparado, o novo prazo não se inicia enquanto não transitar em julgado a decisão que puser termo ao processo, como dispõe o artigo 327.º n.º 2 do Código Civil. A exigência da via judicial para a interrupção do prazo da prescrição tem como razão de ser a ideia que para esta ocorrer, inutilizando o prazo já decorrido, o devedor deve ter conhecimento da efetiva intenção do credor em exercer o direito. Esta via judicial tem custos para o credor, causados pela mora do devedor. Não obstante, os números 2 e 3 do artigo 323.º do Código Civil vêm atenuar este ónus imposto ao credor, no que toca à exigência judicial do pagamento para interromper a prescrição, afastando alguns riscos provenientes do recurso a esta via. Os efeitos da interrupção mantêm-se mesmo depois da anulação da citação ou da notificação, nos termos do citado número 3 deste artigo.

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