TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020

332 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL IV - O princípio da segurança e da confiança, resultante da consagração do Estado de direito democrático, visa tutelar as legítimas expetativas de previsibilidade do sistema jurídico, impondo esse dúplice princípio que haja um mínimo nível de certeza, que possibilite a fruição dos direitos das pessoas, impedindo, ao mesmo tempo, qualquer afetação arbitrária ou excessivamente onerosa sobre os interessados, que abale os pilares de estabilidade das relações juridicamente constituídas; é ampla a liberdade do legislador para engendrar soluções normativas no plano infraconstitucional, de forma a regular de maneira equilibrada os inúmeros vínculos jurídicos que se criam entre particulares, no desenvolvimento normal e regular da sociedade, inserindo-se nessa larga margem de atuação o desenho de meios processuais para garantir o pagamento de dívidas, matéria em que se insere a dimensão normativa aqui em apreço, sendo a esta luz que deverá ser avaliada a presente questão de constitucionalidade. V - A ficção criada pelo artigo 323.º, n.º 2, do Código Civil, suscetível de produzir os efeitos interruptivos da prescrição, tem por objetivo conferir estabilidade às relações jurídicas previamente estabelecidas, em virtude das quais tenha sido manifestado o interesse do titular do direito (credor) em exercer a sua facultas agendi contra o sujeito passivo da obrigação (devedor); de forma a estabilizar os vínculos obrigacionais, a lei determina, por um lado, que a duração válida de um crédito não pode ser intermi- nável, pois tal solução converter-se-ia numa excessiva onerosidade para o devedor, que jamais ficaria livre da sua dívida; porém, por outro lado, a lei determina as hipóteses em que o cômputo extintivo de tal prazo pode sofrer ajustes, visto que não fixar quaisquer modalidades que mudem a sua forma de contagem originaria uma desvantagem excessiva para o credor que tenha assumido atempadamente uma posição ativa, com vista à satisfação do seu crédito. VI - In casu , concretamente, temos um credor que, por meio de uma ação executiva, exerceu o seu direito subjetivo de cobrança dentro dos prazos legais, isto é, antes de sobrevir a extinção prescritiva do título que lhe assiste; porém, a citação prévia não teve lugar, porquanto o primeiro ato processual foi – e tinha legalmente de ser – a penhora dos vencimentos da executada, só tendo a executada-recorrente sido regularmente citada após a penhora; entendeu o tribunal a quo que a inexistência de pedido expresso de citação, por parte do credor, não constitui uma “causa imputável ao requerente”, nos ter- mos do n.º 2 do artigo 323.º do Código Civil, uma vez que a simples propositura da ação executiva constitui expressão bastante da intenção de exercer o direito, valendo como requisição da citação para efeitos de interrupção do prazo prescricional, nos termos legais. VII - A segurança jurídica e a confiança preservam a estabilidade do sistema jurídico e são contrariadas quando há alguma frustração de expetativas legítimas dos cidadãos, alimentadas por comportamen- tos dos poderes públicos, em situações nas quais aqueles tenham feito opções relevantes e decisivas, tendo por fundamento as expetativas de manutenção de um determinado regime jurídico; no caso presente, a executada não dispunha de qualquer legítima expetativa de ser citada previamente, porque decorria da própria lei que assim não devesse ser, pois a lei processual optou por assegurar que seja dado conhecimento da ação ao executado por outro meio, designadamente, através da penhora e do desenrolar dos seus procedimentos, não se vendo de que forma possa este regime legal, ao bastar-se com a propositura da ação para pagamento de quantia certa, sem pedido expresso de citação do executado, como manifestação de intenção do credor de exercer o seu direito, causar ins- tabilidade ou imprevisibilidade inconstitucionais, sendo compatível com o princípio constitucional da confiança que a propositura da ação executiva baste para operar a citação ficta e, bem assim, interromper o respetivo prazo prescricional.

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