TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020

33 acórdão n.º 429/20 86. Assim, enquanto o artigo 2.º da Lei n.º 45/2018, de 10 de agosto, é meramente delimitador do âmbito de aplicação do regime em causa, a norma emergente do artigo 12.º do Decreto sub judice é uma norma proibitiva ou restritiva. 87. No tocante a este aspeto, portanto, o diploma sub judice não “adapta” à Região Autónoma da Madeira o regime da Lei n.º 45/2018, de 10 de agosto, nem se limita a regular uma situação que à partida fosse de igualdade com o regime desta Lei, conforme o disposto no artigo 12.º, n.º 1, do diploma em análise pretende levar – erro- neamente – a crer. 88. Com efeito, o artigo 12.º do Decreto sub judice pretende, deste ponto de vista, introduzir na Região uma verdadeira e própria restrição à liberdade de iniciativa económica (cfr. supra ): quem desempenhar a atividade de operador de TVDE, não pode prestar serviços turísticos (pelo menos, nos termos em que estes são definidos no n.º 2 para efeitos de delimitação da restrição em causa). 89. Ora, a liberdade de empresa – no sentido de escolha do objeto social, simples ou complexo, mais ou menos abrangente – constitui uma dimensão fundamental da liberdade de iniciativa económica, que só pode sofrer limi- tações diante de justificações constitucionalmente aceitáveis, e através de lei parlamentar ou decreto-lei autorizado. 90. Mais uma vez, a este propósito se remete para todas as considerações antecedentes a respeito (i) da liber- dade de iniciativa económica privada como direito análogo aos direitos, liberdades e garantias, (ii) das exigências constitucionais em matéria de restrições aos direitos liberdades e garantias, bem como (iii) à exclusão da matéria dos direitos, liberdades e garantias da competência legislativa das Regiões Autónomas. 91. Em todo o caso, mesmo nesta segunda possibilidade interpretativa, a liberdade de iniciativa económica não é aqui o único direito fundamental afetado. 92. A restrição pretendida pelo artigo 12.º do diploma em apreço pode projetar-se igualmente sobre a liberdade de escolha de profissão, designadamente, na vertente do não impedimento à opção por profissão para qual se seja detentor dos requisitos necessários (cfr. J. J. Gomes Canotilho / Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa – Anotada , I, p. 653). 93. Não está aqui em causa, propriamente, a situação jurídica dos profissionais integrados nas empresas opera- doras de TVDE, já que nada parece impedi-los, juridicamente, de exercerem duas atividades profissionais distintas para empregadores distintos. 94. Mas já é problemática a situação de profissionais motoristas que queiram constituir a sua própria empresa – por exemplo, uma sociedade unipessoal – para prestarem serviços como operadores de TVDE. Estes ficariam impedidos de, através da mesma sociedade unipessoal, prestarem serviços turísticos. 95. Ora, nesta – como em situações similares – estamos perante uma restrição, verdadeira e própria, à liberdade de escolha de profissão que, no caso, não se confunde (pelo menos, plenamente) com a liberdade de iniciativa económica (cfr. J. J. Gomes Canotilho / Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa – Anotada , I, p. 656). 96. De resto, também neste contexto o caráter não amovível dos dísticos nos veículos desempenha a sua função restritiva (artigo 9.º): os operadores só conseguiriam prestar serviços turísticos paralelos se, ainda que “ilegal- mente”, tivessem outros veículos para além dos dedicados a serviços de TVDE. 97. Tal é quanto basta para, quanto a ambas as possibilidades interpretativas aventadas no presente ponto, e recuperando argumentação expendida supra , concluir pela inconstitucionalidade orgânica da norma contida no artigo 12.º do diploma em apreço, na medida em que introduz uma restrição, verdadeira e própria, à liberdade de iniciativa económica e à liberdade de escolha de profissão, seja qual for a interpretação da norma que se perfilhe – objetivista, subjetivista ou mesmo mista combinando ambas. 98. Recordando, as Regiões Autónomas não podem legislar – rectius , não podem sequer ser autorizadas a legis- lar – sobre matérias que tenham implicação nos direitos, liberdades e garantias ou direitos de natureza análoga, i. e. , matérias abrangidas pela alínea b) do artigo 165.º, n.º 1, ex vi o artigo 227.º, n.º 1, alínea b) da CRP. 99. No caso vertente, portanto, e mais uma vez, não só o legislador regional não dispunha da necessária auto- rização legislativa, como não poderia obtê-la à luz do artigo 227.º, n.º 1, alínea b) , da CRP.»

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