TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020

328 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 10. Poderia, é certo, o legislador, dentre a vários métodos de avaliação da empresa conhecidos, ter aco- lhido um outro modelo, assente na operação de um critério uniforme de avaliação da sociedade garante e das partes de capital da sociedade executada, e não combinando o recurso a dois critérios distintos. Com efeito, o valor da sociedade garante é apurado, ora em função da cotação oficial, ora recorrendo ao método previsto nas alíneas a) e b) do n.º 3 do artigo 15.º do CIS, e, em qualquer dos casos, procedendo às deduções previs- tas no artigo 199.º-A, n.º 4, do CPPT; enquanto o valor da devedora/executada considerado para efeitos da dedução imposta é sempre o respetivo valor contabilístico. É essa a diferença que explica, no caso, o valor negativo de património líquido do garante atingido pela Autoridade Tributária, o que não sucederia se, em ordem a apurar esse valor, fosse considerado o valor contabilístico dos capitais próprios da mesma. Com efeito, nos termos dados como provados na decisão recorrida, o valor contabilístico dos capitais próprios da garante a 31 de dezembro de 2015 foi de €  579 911 622, superior ao valor contabilístico das par- tes de capital do executado detidas ( €  325 136 251,84), mesmo somado ao valor relativo às outras deduções previstas nas várias alíneas do n.º 1 do artigo 199.º-A do CPPT (total de deduções de €  380 428 678,06). Sendo o valor de cotação do total das ações da garante significativamente inferior ao valor contabilístico dos capitais próprios ( €  136 000 000), o resultado da avaliação do património líquido da garante é naturalmente bastante distinto. Todavia, atendendo à função da fiança, justifica-se que, para esse efeito específico, o valor das partici- pações da devedora detidas pela garante – e que, note-se, correspondendo a investimentos financeiros, são inscritos no balanço de SGPS como ativos não correntes – seja subtraído ao valor do capital próprio da mesma. A avaliação da capacidade para assegurar o pagamento da dívida garantida por fiança prestada por uma sociedade – para mais uma SGPS – é necessária, depende de critérios técnicos sempre relativos, não podendo ser assimilada à avaliação patrimonial feita em relação a pessoas singulares. De todo o modo, mesmo que se possa encontrar na solução normativa em apreço alguns fatores de per- plexidade, uma tal inconsequência ou irracionalidade pontual não se traduz necessariamente num excesso – e muito menos num excesso manifesto –, suscetível de determinar a censura por este Tribunal da opção do legislador, à luz do princípio da proporcionalidade, enquanto princípio geral de limitação do poder público. Impõem-se aqui considerações análogas às realizadas no Acórdão n.º 546/11: «[N]ão cabe ao juiz constitucional garantir que as leis se mostrem, pelo seu conteúdo, “racionais”. O que lhe cabe é apenas impedir que elas estabeleçam regimes desrazoáveis, isto é, disciplinas jurídicas que diferenciem pes- soas e situações que mereçam tratamento igual ou, inversamente, que igualizem pessoas e situações que mereçam tratamento diferente. Só quando for negativo o teste do “merecimento” – isto é, só quando se concluir que a dife- rença, ou a igualização, entre pessoas e situações que o regime legal estabeleceu não é justificada por um qualquer motivo que se afigure compreensível face a  ratio  que o referido regime, em conformidade com os valores consti- tucionais, pretendeu prosseguir – é que pode o juiz constitucional censurar, por desrazoabilidade, as escolhas do legislador. Fora destas circunstâncias, e, nomeadamente, sempre que estiver em causa a simples verificação de uma menor “racionalidade” ou congruência interna de um sistema legal, quecontudo se não repercuta no trato diverso – e desrazoavlmente diverso, no sentido acima exposto – de posições jurídico-subjectivas, não pode o Tribunal Constitucional emitir juízos de inconstitucionalidade. Nem através do princípio da igualdade (artigo 13.º) nem através do princípio mais vasto do Estado de direito, do qual em última análise decorre a ideia de igualdade perante a lei e através da lei (artigo 2.º), pode a Constituição garantir que sejam sempre “racionais” ou “congruentes” as escolhas do legislador. No entanto, o que os dois princípios claramente proíbem é que subsistam na ordem jurídica regimes legais que impliquem, para as pessoas, diversidades de tratamento não fundados em motivos razoáveis.»

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=