TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020
325 acórdão n.º 285/20 Como é bom dever, os dois segmentos que integram o objeto do recurso correspondem a duas etapas na opera- ção contabilística de avaliação do património da entidade garante, para efeitos de aferição da idoneidade da fiança prestada com vista a suspensão da execução fiscal. A primeira etapa é a aplicação da fórmula Va = [1 ÷ (2 × n )] × [S + (( R1 + R2) ÷ 2) × f ], em que: Va repre- senta o valor de cada ação representativa do capital social; n representa o número total de ações representativas do capital social; S representa o valor substancial (ou capitais próprios) da sociedade participada, calculado a partir do balanço do último exercício; R1 e R2 são os resultados líquidos dos dois últimos exercícios (aos quais, no caso de soma negativa, deve ser atribuído o valor de 0); e f é o fator de capitalização dos resultados líquidos calculado com base na taxa de juro aplicada pelo Banco Central Europeu às suas principais operações de refinanciamento, acrescida de um spread de 4 %. Ao consagrar esta fórmula, a lei manda calcular o valor da sociedade segundo dois critérios ou métodos diver- sos. Por um lado, o critério – representado pela variável S − da situação patrimonial líquida ou dos capitais pró- prios, que é o resultado da diferença entre o ativo e o passivo. Esse é o «valor patrimonial» da sociedade, porque dá a medida do produto da liquidação de todo o seu património, através da alienação onerosa dos elementos que integram o ativo e do pagamento dos débitos que compõem o passivo, pelos valores inscritos no balanço do último exercício. Por outro lado, o critério – representado pela variável R − da capitalização dos lucros contabilísticos, obtido a partir do produto da média dos resultados líquidos dos dois exercícios anteriores (R1 e R2) por um fator de capitalização f calculado com base na taxa de juro de referência (acrescida de um spread). Esse é o «valor empre- sarial» da sociedade, porque dá a medida da rentabilidade da afetação do património da sociedade ao objeto social, razão pela qual o valor é nulo nos casos em que a sociedade vem apresentado prejuízos. Ora, como a fórmula legal contempla dois critérios ou métodos de avaliação distintos – com distintos fun- damentos contabilísticos, financeiros e económicos −, é lógico que a soma dos valores encontrados segundo os critérios S e R seja dividido, não pelo número total de ações (representado por n), mas pelo dobro desse número (2 × n); o mesmo é dizer que o valor das ações (Va) é calculado com base na média dos valores apurados segundo os dois critérios de avaliação – o «patrimonial» e o «empresarial» − eleitos pelo legislador. A segunda etapa na operação de determinação do valor do património da sociedade garante, para efeitos de aferição da idoneidade da fiança, é a dedução, ao valor apurado da totalidade das ações, dos montantes previstos nas várias alíneas do n.º 1 do artigo 199.º-A do CPPT, quais sejam: a) garantias concedidas e outras obrigações extrapatrimoniais assumidas; b) partes de capital do executado que sejam detidas, direta ou indiretamente, pelo garante; c) passivos contingentes; e d) quaisquer créditos do garante sobre o executado.» No caso de avaliação de sociedade cotada, o critério de avaliação da garantia obedece igualmente a duas etapas, mas a primeira dispensa o recurso à fórmula constante da alínea a) do n.º 3 do artigo 15.º do CIS, onde se equaciona, em articulação, a situação patrimonial líquida da sociedade e a sua rentabilidade, uma vez que o valor de mercado, consubstanciado na cotação em bolsa num dado momento, é já o resultado da ponderação de todos esses fatores e interesses por parte dos investidores, juntamente com muitos outros. Para o legislador, o preço de transação formado por atuação em mercado aberto das leis da oferta e da pro- cura oferece segurança na aferição do valor da sociedade, na ótica da sua posição como garante, permitindo evitar o recurso a outros métodos de avaliação, que não se esgotam em modelos do tipo patrimonial (fun- damentalmente assentes no valor de liquidação e reposição), sendo frequentemente utilizados pelos agentes económicos nas suas tomadas de decisão outros modelos de compreensão do valor da empresa, de que são exemplo os métodos dos múltiplos, de fluxos de tesouraria atualizados ( discount cash flow ) e de opções reais, discutindo-se na ciência da avaliação a superioridade de uns sobre outros, em função da tipologia e estrutura societária, do(s) mercado(s) em que atua e da finalidade a que se destina o apuramento de valor, na certeza, porém, que a todos assiste uma inescapável margem de incerteza: não existe um «valor exato» quando se trata de avaliar uma determinada empresa.
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=