TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020

321 acórdão n.º 285/20 74. E daí que, em lugar de se destinar a determinar a idoneidade da garantia face à exigência legal de ser “sus- ceptível de assegurar os créditos do exequente”, a metodologia prevista no artigo 199.º-A do CPPT destina-se, outrossim, a inviabilizar por completo a prestação de garantia através de fiança. 75. De onde, como correctamente ponderado no douto acórdão recorrido, o critério constante do artigo 199.º-A do CPPT se revela manifestamente inadequado ao fim legal. 76. De resto, a aplicação da metodologia prevista no artigo 15.º do CIS demonstra o desacerto da solução legal consagrada no artigo 199.º-A do CPPT, 77. na medida em que o normativo do CIS contém uma fórmula legal que não faz qualquer sentido para a aferição da idoneidade da garantia a prestar para suspensão da execução fiscal – atenta a finalidade prevista no artigo 199.º do CPPT. 78. Atente-se, nomeadamente, ao facto de aquela fórmula considerar a maior ou menor capacidade da fiadora gerar lucro – o que faz sentido na avaliação de uma empresa mas já não faz qualquer sentido para aferir da suficiên- cia do seu património enquanto entidade garante. 79. Neste aspecto, a formulação legal acriticamente acolhida no CPPT não passou incólume à critica do Supremo Tribunal nos seguintes termos: «(…) não faz sentido a dedução ao valor apurado nos termos do art. 15.º do CIS dos valores da participação que a sociedade garante tem na sociedade executada e dos passivos contingentes.». 80. Do exposto resulta, pois, a clara inadequação do critério constante do artigo 199.º-A do CPPT à finalidade legal constante do artigo 52.º LGT e 199.º CPPT. 81. Acresce que a constituição e manutenção de uma fiança tem virtualmente os mesmos custos que a consti- tuição de uma garantia bancária – mormente o pagamento de imposto de selo e débito, pela fiadora, de encargos a “valores de mercado”, em pleno cumprimento do regime dos preços de transferência (art. 63.º CIRC). 82. Por outro lado, o Digno Procurador do Ministério Público, aqui Recorrente, invoca a idoneidade do critério legal propugnado no artigo 199.º-A do CPPT para aferição da idoneidade de fiança – e inerente constitu- cionalidade – “nomeadamente no quadro das sociedades em relação de grupo”. 83. Ora, ao assim entender, salvo o devido respeito, o Recorrente obnubila que, nos termos da lei – e afora as situações em que se evidencie um “interesse legítimo” – a prestação de garantia, através de fiança, pressupõe preci- samente a existência de uma relação de grupo entre a sociedade fiadora e a afiançada (art. 6.º n.º 3 CSC). 84. Assim, não está em causa qualquer pretenso “efeito localizado” – bem pelo contrário, no caso da fiança, está em causa um efeito que decorre do próprio recorte legal societário. 85. Como assim, está em causa a sindicância da aplicação de uma regra abstratamente enunciada e vocacionada para uma aplicação potencialmente genérica. 86. Certo é que a desconformidade do critério propugnado no artigo 199.º-A do CPPT é sublinhada pelo simples confronto com o resultado da aplicação de normas com idêntico fim. 87. Porque o critério constante do artigo 199.º-A do CPPT acarreta, na prática, a impossibilidade de prestação de garantia através de fiança em circunstâncias concretas onde a fiadora, manifestamente, possui património mais do que suficiente para garantir o bom pagamento da dívida exequenda; 88. Porque o critério constante do artigo 199.º-A do CPPT restringe de modo desproporcional os direitos dos Contribuintes, na medida em que não existe qualquer fundamento ou justificação razoável para expurgar do património da fiadora relevantes componentes positivas; e 89. Porque o critério constante do artigo 199.º-A do CPPT se revela manifestamente inadequado à finalidade legal que supostamente pretende cumprir; 90. Resta concluir pela sua inconstitucionalidade material por violação do princípio da proporcionalidade, constante do artigo 266.º n.º 2 CRP e ínsito no princípio do Estado de Direito democrático consagrado no artigo 2.º da CRP. 91. Com efeito, a norma em causa restringe desproporcionalmente a possibilidade de os Contribuintes obte- rem a suspensão da instância executiva, na medida em que pretendam discutir, graciosa ou contenciosamente a dívida tributária, e é demasiadamente gravosa, mesmo em face do interesse creditório do Estado.

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