TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020

307 acórdão n.º 284/20 ratio decidendi da presente decisão), o que impede o legislador de estabelecer a indemnização apenas em relação a certos casos qualificados (aqueles em que a prisão preventiva, a detenção ou a obrigação de perma- nência na habitação tenha sido corretamente aplicada a arguidos comprovadamente inocentes)? Considerada em si mesma, aquela distinção nada tem de arbitrário ou desrazoável nem tão-pouco poderia ser objeto do controlo negativo exercido pelo Tribunal Constitucional relativamente às opções polí- tico-legislativas do legislador democrático. Na verdade, se o objetivo prosseguido é a compensação de um dano injustamente sofrido, a injustiça tida em mente pelo legislador só se mostra verificada na hipótese de absolvição com fundamento na inocência do arguido. Nos demais casos, subsiste a dúvida quanto à própria injustiça do dano, isto é, da privação da liberdade: o arguido pode ser culpado ou não; certo é tão-só que não se conseguiu fazer prova da sua culpabilidade. De resto, a mencionada interpretação ampliativa – ou já mesmo corretiva – do citado artigo 225.º, n.º 1, alínea c) , ensaiada no n.º 16 do Acórdão, a propósito da deslocação da « ratio da medida da compen- sação pelo sacrifício da privação de liberdade para uma compensação pela dúvida em relação à inocência do arguido», é, ela própria, condicionada pelo princípio da presunção da inocência. Este, como o acórdão reconhece, constitui o «elemento fundamental para esclarecer se o termo de comparação consiste imediata e obrigatoriamente na absolvição – caso em que o genus proximum é constituído pelo universo dos absolvidos em processo crime – ou se as vicissitudes do próprio processo criminal (ou, posteriores à absolvição definitiva proferida no âmbito deste) também podem relevar em função de outros objetivos político-legislativos – caso em que será possível sustentar a não comparabilidade das absolvições, por exemplo, em razão dos respetivos fundamentos» (vide ibidem ). É somente porque o princípio da presunção da inocência, compreendido à luz da jurisprudência do TEDH e que foi expressamente acolhida no presente Acórdão, irradia para fora do concreto processo cri- minal em que uma das respetivas consequências processuais foi aplicada – o aludido princípio in dubio pro reo –, que se pode afirmar, tal como sucede no n.º 16 do Acórdão, que, nos casos em que o Estado, pela mão do Ministério Público, não consiga provar, além de qualquer dúvida razoável, a autoria dos ilícitos típicos e a culpa do arguido, este último «fica do ponto de vista da responsabilidade penal, como sempre esteve, à luz do ordenamento jurídico-constitucional: inocente»; e, nessa medida, «numa situação comparável, do ponto de vista do dano que a indemnização por prisão preventiva visa reparar», à do arguido absolvido com base na certeza da sua inocência. Em suma, a arbitrariedade da solução censurada pelo acórdão resulta simplesmente de, numa interpreta- ção de acordo com a Constituição, nomeadamente por força do princípio da presunção de inocência, não ser admissível distinguir legalmente, para efeitos de atribuição de uma indemnização por privação da liberdade em consequência da aplicação correta da medida de prisão preventiva ao arguido que no final do processo veio a ser absolvido, entre absolvições por comprovação da sua inocência e absolvições por falta de provas quanto à ilicitude dos factos por ele praticados ou quanto à sua culpabilidade. – Pedro Machete. DECLARAÇÃO DE VOTO Entendo que uma interpretação do artigo 225.º, n.º 1, alínea c) , do Código de Processo Penal no sen- tido de excluir do seu âmbito de aplicação “o arguido a quem foi aplicada prisão preventiva e vem a ser absol- vido com fundamento no princípio in dubio pro reo ” colide com o artigo 13.º, n.º 1, da Lei Fundamental. Por ser assim, dou o meu voto ao sentido decisório – juízo de inconstitucionalidade da norma –, na parte em que se considera que ela contraria o princípio da igualdade. Não assim na parte em que se considera que a norma viola igualmente o princípio da presunção de inocência – artigo 32.º, n.º 2, da Lei Fundamental. O princípio in dubio pro reo encontra fundamento jurídico-constitucional no n.º 2 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, segundo o qual “todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação (...)”. Sabe-se como a presunção de inocência – o mesmo valendo,

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