TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020

305 acórdão n.º 284/20 Em consonância com as STC 8/2017 e 10/2017, não é compatível com o art. 24.2 CE negar a indemnização argumentando que o então preso preventivo foi absolvido por falta de provas ou por aplicação do princípio in dubio pro reo , por muito que tal argumento sirva ao mesmo tempo para sustentar a não verificação do requisito legal do art. 294 LOPJ de inexistência do facto imputado.» (n.º 11, pp. 81059 e 81060) Acresce que tal incompatibilidade é estrutural: «[12. N]ão se trata de um eventual uso desafortunado da linguagem pelo operador jurídico, mas, com caráter prévio e determinante, do tipo de argumentação [ razonamiento ] a que obriga o teor do art. 294 LOPJ, tanto numa interpretação restritiva como extensiva, ancorada no exame seletivo dos motivos da absolvição ou do arquiva- mento, expressos explícita ou implicitamente na prévia decisão penal. Exclui-se, deste modo, a consideração de outros elementos de decisão, de circunstâncias relacionadas com o desenvolvimento do processo ou a conduta do requerente, que permitiriam introduzir os matizes que a jurisprudência europeia considerou estarem em falta […]. Em última análise viria a exigir-se ao requerente que fizesse prova da sua inocência, o que parece desrazoável e revela uma violação do direito (por todos, STEDH de 13 de janeiro de 2005, caso Capeau c. Bélgica , § 25), além de que supõe uma exigência de cumprimento impossível para ele. A decisão sobre o pedido apoia-se no que foi fixado pelo juiz penal, em cuja decisão deve constar que resultou provada a inexistência do facto, pressuposto legal da indemnização, sem que, todavia, exista um direito a ser declarado inocente […]. A estrutura do preceito aplicável, com os incisos “por inexistência do facto imputado” e “por essa mesma razão”, que remetem para os motivos constantes da decisão penal por eles mesmos imposta de absolvição ou de arquivamento (e que é alheia a uma eventual indemnização ulterior pela prisão preventiva sofrida), obriga a argu- mentar de forma incompatível com o direito à presunção de inocência (art. 24.2 CE), que salvaguarda a eficácia pro futuro da anterior pronúncia absolutória, razão por que os mesmos incisos contrariam o disposto no artigo 24.2 CE. Na medida em que não se vislumbra uma interpretação do âmbito de aplicação do art. 294 LOPJ que não discrimine entre as razões de absolvição vinculadas à presunção de inocência, os incisos que fazem depender a indemnização desse tipo de raciocínios violam o direito à presunção de inocência.» (p. 81061) 24. Em suma, e considerando agora o parâmetro da presunção de inocência, o artigo 225.º, n.º 1, alínea c) , do CPP, na interpretação normativa ora sindicada, desqualifica, para efeitos de atribuição de indemnização por danos sofridos em consequência de privação da liberdade decretada judicialmente em conformidade com a Constituição e com a lei, a decisão de absolvição fundada no princípio in dubio pro reo face à sentença absolutória em que se dê como provado que o arguido não foi agente do crime ou atuou injustificadamente. Contudo, de acordo com a garantia da presunção de inocência consagrada no artigo 32.º, n.º 2, da Constituição, interpretada de acordo com a jurisprudência do TEDH por forma a acautelar o standard mínimo de proteção em matéria de direitos fundamentais, a parte dispositiva de uma sentença absolutória deve ser respeitada por todas as autoridades públicas – legislador, juiz ou administrador – que se pronunciem, de maneira direta ou incidental, sobre a responsabilidade penal do interessado (cfr. acór- dão Allen , cit., § 122; e supra os n. os 20 e 21). Tal significa que a exigência normativa de que o arguido absolvido com base no princípio in dubio pro reo , para efeitos de lhe ser atribuída uma indemnização por prisão preventiva imposta no âmbito do processo criminal, prove positiva e adicionalmente à decisão absolutória a sua inocência, sob pena de não o logrando fazer tal indemnização lhe ser recusada como se a sua culpabilidade ainda pudesse ser admitida, é incompatível com a mencionada garantia constitucional. A responsabilidade penal do arguido, uma vez afastada por via da absolvição, mesmo que apenas fundada na presunção de inocência, não pode voltar a ser considerada num processo ulterior, ainda que a título de mera possibilidade.

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