TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020
304 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL não ter a acusação logrado a prova dos factos que lhe imputava, sobre o mesmo possa continuar a recair o labéu da suspeita até que prove positivamente a sua inocência. Terminado o procedimento por absolvição, para efeitos diretamente decorrentes da existência desse procedimento, como é a indemnização por prisão preventiva que no seu decurso tenha sido imposta ao arguido, não pode haver duas categorias de absolvidos, os que o foram pelo funcionamento do princípio in dubio pro reo e os restantes» Com efeito, a exigência de que alguém absolvido num processo criminal com base no princípio in dubio pro reo ainda tenha de provar a sua inocência levanta necessariamente dúvidas sobre se essa pessoa afinal não é culpada do crime de que foi acusada. E, tais dúvidas, porque formalizadas desde logo na própria lei, expri- mem implicitamente uma suspeita pública quanto à inocência dessa pessoa – algo que, depois da absolvição criminal definitiva, não é compatível com a presunção de inocência, na sua dimensão extraprocessual, uma vez que, ao deixar-se pairar a incerteza quanto à inocência da pessoa absolvida, não se protege a sua reputação nem o modo como ela é vista pela comunidade, tornando a mencionada presunção, numa larga medida, teórica e ilusória e, portanto, ineficaz. 23. Em sentido idêntico pronunciou-se também o plenário do Tribunal Constitucional espanhol na já mencionada Sentencia 85/2019, de 19 de junho de 2019 (cfr. supra o n.º 17). A propósito do artigo 294.1 da LOPJ, e reiterando decisões anteriores, nomeadamente as STC 8/2017 e 10/2017, o Tribunal Constitu- cional fez as seguintes observações, que são igualmente pertinentes em relação ao artigo 225.º, n.º 1, alínea c) , do CPP, na interpretação que é objeto do presente recurso vide em especial, os n. os 10 a 12 da secção II [Fundamentos jurídicos]): «[S]e uma vez reconhecido o direito a ser indemnizado, se procede de forma seletiva, o próprio critério de sele- ção pode introduzir dúvidas sobre a inocência do acusado não condenado. Em particular, será assim se o regime ressarcitório discrimina entre as razões para absolver fruto da eficácia da presunção de inocência como regra de juízo que opera no processo penal. Mais precisamente, quando se diferencia, para efeitos indemnizatórios, entre a prova da inocência e a falta de prova suficiente da culpabilidade, que, devido ao standard probatório do processo penal se situa na superação da dúvida razoável. No caso da disciplina fixada no art. 294 LOPJ, os incisos questionados [– “por inexistência do facto imputado” e “por essa mesma razão” –] obrigam a examinar as razões em que se funda a decisão de não condenar ou de arqui- var no processo penal, de modo a verificar o pressuposto de facto da norma: a inexistência do facto imputado. […] [Deve] também examinar-se se aquele preceito será compatível com a compreensão ampla da eficácia do direito à presunção de inocência, na medida em que se limite a afirmar a inviabilidade do pedido [de indemnização] com base no art. 294 LOPJ, uma vez que só compreende o pressuposto inexistência objetiva do facto [– isto na sequên- cia de uma interpretação restritiva entretanto operada pela jurisprudência –], abstendo-se de ulteriores afirmações sobre as razões da não condenação. A resposta deve ser de novo negativa. Quando se argumenta que não pode reconhecer-se o direito à indemni- zação nos termos do art. 294 LOPJ, na medida em que o recorrente não tenha sido absolvido ou não tenha visto a sua acusação arquivada em razão da inexistência (objetiva) do facto, decerto que não se verifica o pressuposto legal da inexistência (objetiva) do facto imputado. Mas, ao mesmo tempo, introduzem-se diferenças qualitativas entre os motivos das decisões materiais de absolvição, por prova de que não existiu o facto e pelo resto das razões possí- veis vinculadas à presunção de inocência, que semeiam dúvidas sobre a culpabilidade do absolvido. Nesse sentido, ainda que a decisão do caso argumente intencionalmente em estritos termos de não verificação do pressuposto de facto da norma, tal motivo vem implicitamente acompanhado da afirmação de que se absolveu por outro, que de ordinário será a falta de prova da participação do sujeito nos factos. Por mais que essa afirmação se reconduza ao seu próprio teor, os seus termos, o art. 294.1 LOPJ coloca dúvidas sobre a inocência do demandante por falta de matizes ou reservas da sua própria lógica [ razonamiento ]. […]
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