TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020

303 acórdão n.º 284/20 razão da inexistência dos factos que lhes eram imputados, uma tal motivação, sem nuance nem reserva, deixa pairar uma dúvida sobre a inocência do requerente ( Puig Panella , citado, § 55). O Tribunal considera que esta lógica [ ce raisonnement ], operando uma distinção entre uma absolvição por falta de provas e uma absolvição resultante da constatação da inexistência dos factos delituosos, ignora a prévia absolvição do acusado e cujo dispositivo deve ser respeitado por toda a autoridade judiciária, quaisquer que tenham sido os motivos invocados pelo juiz penal.» Considerando todos estes casos e os princípios desenvolvidos na jurisprudência do TEDH, é de corro- borar a conclusão retirada por Ireneu Cabral Barreto, quanto à articulação entre a recusa de indemnização e o princípio da presunção de inocência: aquela recusa não colide com este princípio, uma vez que a CEDH não concede ao arguido o direito a uma indemnização por privação da liberdade «regular, em caso de aban- dono do processo intentado contra ele ou da sua absolvição [...]. Porém, como a culpabilidade do “arguido” não foi apurada, se a indemnização é negada naqueles casos, a recusa não pode ter como fundamento uma responsabilidade penal, pois assim haverá ofensa daquele princípio». E, em nota, o mesmo Autor acrescenta: contudo, «nos casos em que esteja consagrado o direito a uma indemnização, esta não poderá ser recusada» (vide Autor cit., ob. cit. , anotação 8.7 ao artigo 6.º, p. 209 e nota 415; no mesmo sentido, vide William A. Schabas, The European Convention on Human Rights – A Commentary , Oxford University Press, 2015, p. 306, com referência à jurisprudência do TEDH já citada, em especial o acórdão Capeau , cit., § 25). 22. Ora, a verificação de que a absolvição no processo criminal se ficou a dever a falta de provas e, por- tanto, à aplicação da presunção de inocência enquanto regra sobre a apreciação da prova, conduz inexora- velmente a dar como não provada a inocência do interessado no âmbito da ação indemnizatória. Por outras palavras, a presunção de inocência determinante da absolvição criminal com base no princípio in dubio pro reo é pura e simplesmente desconsiderada para efeitos de apuramento do direito à indemnização: invertendo os termos em que a questão se colocou no processo criminal, na ação de indemnização, é o anterior arguido que tem de provar a sua inocência quanto ao crime já apreciado no primeiro processo. Deste modo, a conse- quência não pode deixar de ser a de que, à luz da lei, designadamente do referido artigo 225.º, n.º 1, alínea c) , do CPP, a presunção de inocência, servindo embora para excluir a responsabilidade penal do arguido, não chega para fundamentar a responsabilidade civil do Estado em consequência da privação da liberdade de alguém que é inocente dos crimes de que se suspeitou que tivesse praticado. E a razão de tal insuficiência é a subsistência da suspeita quanto à culpabilidade do interessado, mesmo para além da absolvição criminal: o arguido não é inocente para efeitos de lhe poder ser atribuída uma indemnização, uma vez que, não se encontrando positivamente provada a sua inocência quanto ao crime de que foi acusado, pode tê-lo praticado e só não foi condenado por falta de provas, isto é, em razão do princí- pio in dubio pro reo . A absolvição criminal não elimina, assim, a relevância pro futuro de tal possibilidade e, consequentemente, a mesma pode funcionar como pressuposto negativo do direito à indemnização. Assim, o arguido que foi privado da sua liberdade por se suspeitar que cometeu um crime grave, mesmo depois de absolvido, continua a sofrer as consequências de tal suspeita, visto que é impedido de ser ressarcido dos danos causados pela privação da liberdade em razão de se continuar a admitir que ele pode mesmo ter cometido o crime em causa. A dúvida ou incerteza quanto à inocência não permite o afastamento total, mesmo depois da absolvição, da suspeita de culpabilidade. Acontece que este entendimento não é compatível com a garantia da presunção de inocência consti- tucionalmente prevista. Nesse sentido, é de subscrever a afirmação do Conselheiro Vítor Gomes feita na declaração de voto junta ao Acórdão n.º 185/10: «[A] oneração do arguido com a prova de que “está limpo de toda a suspeição” colide com o sentido último do n.º 2 do artigo 32.º da Constituição (cfr. acórdão Sekanina do TEDH). O princípio da presunção de inocência é incompatível com o entendimento de que, terminado o procedimento criminal pela absolvição do arguido por

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