TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020

302 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL «[25.] É verdade que se admite a expressão de suspeitas sobre a inocência de um acusado desde que a conclusão do processo criminal não implique uma decisão sobre o mérito da acusação ( Sekanina , acima citado, § 30) e que no direito belga uma decisão de não prossecução do processo criminal não impede a reabertura do mesmo, caso surjam novos elementos ou haja novos desenvolvimentos. Contudo, o ónus da prova não pode ser pura e simples- mente invertido no âmbito de uma ação de indemnização intentada na sequência de uma decisão definitiva de não prossecução do processo criminal. Exigir a uma pessoa que prove a sua inocência, além de sugerir que o tribunal considera o interessado como culpado, é desrazoável e revela uma violação da presunção de inocência. O Tribunal recorda a este respeito que, no domínio penal, toda a questão da prova tem de ser vista à luz do artigo 6.º, § 2, e exige, inter alia , que o ónus da prova recaia sobre a acusação […].»  A casuística relativa às condições da ação de indemnização ulterior à absolvição penal é igualmente significativa. No acórdão Rushiti , cit., § 31, o TEDH considerou que a decisão da ação de indemnização viola a presunção de inocência, mesmo que as suspeitas quanto à inocência do arguido constantes de tal decisão já tenham sido expressas na própria fundamentação da decisão absolutória: «a partir do momento em que a absolvição se tornou definitiva – mesmo tratando-se de uma absolvição que conceda ao arguido o benefício da dúvida de acordo com o artigo 6.º, § 2 – a expressão de qualquer suspeita de culpa, incluindo aquelas que constem das razões para a absolvição, é incompatível com a presunção de inocência». Nos acórdãos Hammern e O. c. Norvège , cits., o TEDH salientou que, em ordem a demonstrar a não verificação de um dos pressupostos legais da indemnização – o critério da maior probabilidade (a demons- tração por parte do arguido absolvido de ser superior a 50% a probabilidade de não ter cometido o crime de que foi absolvido) –, o tribunal de recurso se teve de reportar – mencionando-os e descrevendo-os – aos resultados da prova produzida no processo penal (vide, respetivamente, os §§ 47 e 39). Ora, no entender do TEDH, o raciocínio do tribunal de recurso implica, claramente, a expressão de suspeitas sobre a inocência do autor relativamente às acusações de que fora absolvido (vide ibidem ). No acórdão Hammern , § 48, o TEDH observou ainda que a circunstância de o tribunal de recurso ter afirmado expressamente, na linha da sua interpretação das disposições legais aplicáveis, que a recusa de indemnização não prejudicava nem lançava dúvidas sobre a absolvição anterior, tal não era suficiente para afastar as dúvidas quanto à correção da decisão de absolver o interessado, pelo que, apesar desse cuidado e preocupação evidenciados pelo tribunal, se mantinha a incompatibilidade com a presunção de inocência. Nas decisões contra Espanha – acórdãos Puig Panella , Tendam e Boddy et Lanni – esteve sempre em causa a aplicação do artigo 294.1 da Ley Orgánica 6/1985, de 1 de julio , del Poder Judicial (“LOPJ”). De acordo com este preceito, tem direito a indemnização quem, depois de ter sofrido prisão preventiva, seja absolvido por inexistência do facto imputado ou por esta mesma razão tenha sido proferido um despacho de arquivamento ( auto de sobreseimiento libre ), sempre que tenham sido causados prejuízos. Perante a recusa do Ministro da Justiça em deferir a indemnização pedida, com fundamento na circunstância de a absolvição ou o arquivamento se deverem a falta de prova quanto à participação do arguido nos factos que lhe são impu- tados – e não à certeza decorrente da comprovação positiva da inexistência de tal participação –, seguida de impugnação contenciosa junto do tribunal administrativo, este último julga tal impugnação improcedente, por ter de considerar não verificado o referido pressuposto legal. A este propósito, refere o TEDH no acór- dão Tendam , cit., § 39 (retomando a jurisprudência Puig Panella , cit., § 55, e posteriormente reiterado no acórdão Boddy et Lanni , cit., §§ 42 e 47): «Para recusar o pedido de indemnização do queixoso, o ministro observou que, segundo a decisão absolutória, “a não participação do requerente nos factos delituoso não se encontra suficientemente estabelecida” […]. Ainda que a observação se baseie no artigo 294, § 1, da LOPJ, segundo o qual só têm direito a uma indemnização as pessoas que tenham sido absolvidas ou relativamente às quais tenha sido proferido um arquivamento definitivo em

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