TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020
301 acórdão n.º 284/20 era arguido, por exemplo, para efeitos de atribuição de uma indemnização por prisão preventiva» (vide Autor cit., A Convenção Europeia dos Direitos do Homem Anotada, reimp da 5.ª edição, Almedina, Coimbra, 2016, anotação 8.3 ao art. 6.º, p. 206). Em particular, interessa analisar a ligação entre a absolvição penal e a subsequente ação de indemnização por privação da liberdade determinada pela aplicação de medida de coação aplicada no âmbito do processo penal ou, mais exatamente, as condições de tal ação indemnizatória. 21. Preliminarmente, cumpre recordar que nem o artigo 6.º, § 2, da CEDH nem qualquer outra dispo- sição da mesma concedem um direito a indemnização por privação da liberdade regular (no sentido de, con- forme previsto no respetivo § 5, não ser contrária às disposições do artigo 5.º da Convenção; vide também supra os n. os 11 e 12) a que se siga a não prossecução da ação penal ou uma absolvição. Deste modo, a recusa de indemnização, por si só, não constitui uma violação da presunção de inocência (cfr. supra o n.º 7, in fine ; vide também, e com mais referências jurisprudenciais, os acórdãos Capeau c. Belgique , de 13 de janeiro de 2005, n.º 42914/98, § 23; Puig Panella , cit., § 52; e Boddy et Lanni, cit., § 39). O que está em causa é tão- -somente avaliar se, na ação de indemnização subsequente à absolvição criminal, se exprimem suspeitas ou dúvidas quanto à inocência daquele que foi absolvido (cfr. Sekanina , cit., § 30). Para tal, é «suficiente, mesmo na ausência de verificação formal, uma motivação que leve a pensar que o juiz considera o interessado como culpado» (vide acórdãos Capeau , cit., § 22; e Puig , cit., § 51). O TEDH limita-se a apreciar queixas individuais, mas não pode excluir-se que os termos em que a lei estabelece as condições de tal ação determinem necessariamente que a sua improcedência contenha sempre, mesmo que implicitamente, uma afirmação de tais suspeitas ou dúvidas. De todo o modo, o TEDH sublinha que a necessidade de respeitar a absolvição criminal (ou a decisão de não prosseguir com a ação penal) no âmbito da ação de indemnização não obsta à responsabilidade civil do lesante por força dos mesmos factos em causa no processo criminal, mas apreciados na base de critérios de prova menos exigentes do que os observados no direito processual penal. Contudo, se a decisão da ação cível contiver uma declaração imputando uma responsabilidade penal ao arguido no anterior processo criminal, tal colocará a questão no âmbito de aplicação do artigo 6.º, § 2, da CEDH (cfr. o acórdão Allen , cit., § 123, para os casos de pedidos de indemnização formulados pelas vítimas ou ofendidos; e aplicando o mesmo raciocínio aos casos de ações de indemnização intentadas pelos arguidos no processo criminal perante a Administração ou os tribunais administrativos, o acórdão Boddy et Lanni , cit., § 44). Por outro lado, a jurisprudência constante do TEDH afirma que, por força do princípio in dubio pro reo , o qual, conforme mencionado, constitui uma expressão particular do princípio da presunção de inocência, não deve existir nenhuma diferença qualitativa entre uma absolvição por falta de provas e uma absolvição resultante da comprovação positiva da inocência. Com efeito, as sentenças de absolvição não se diferenciam em função dos fundamentos que o juiz penal retém, em cada caso. Muito pelo contrário, no quadro do artigo 6.º, § 2, da Convenção, o dispositivo de uma sentença de absolvição deve ser respeitado por qualquer auto- ridade que se pronuncie de modo direto ou incidental sobre a responsabilidade penal do interessado (cfr., por exemplo, acórdãos V assilios Stavropoulos c. Grèce, de 27 de setembro de 2007, n.º 35522/04, § 39; Melo Tadeu , cit., § 60; Tendam , cit., § 37; e Boddy et Lanni, cit., § 40). Mais: «exigir a uma pessoa que venha a provar a sua inocência no âmbito da ação de indemnização por privação provisória da liberdade é desrazoável e atenta contra a presunção de inocência» (assim, vide acórdãos Tendam , cit., ibidem , Lorenzetti , cit., § 46, e Boddy et Lanni , ibidem , todos citando o acórdão Capeau ). O acórdão Capeau deve ser destacado, apesar de respeitar a um pedido de indemnização subsequente a uma decisão de não prossecução do processo criminal ou de arquivamento, que, no direito belga, não impede a reabertura do mesmo, caso surjam novos elementos ou haja novos desenvolvimentos (cfr. o respetivo § 17). Com efeito, as considerações nele feitas a respeito da não prossecução do processo penal valem, por maioria de razão, para os casos de absolvição definitiva. Assim:
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