TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020

300 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL conjunto das circunstâncias, se a presunção de inocência é respeitada também no âmbito do segundo pro- cesso (cfr., por último, a Decisão Martínez Agirre and others v. Spain , de 25 de junho de 2019, n. os 75529/16 e 79503/16, §§ 38-42). No que se refere especialmente aos casos – como o dos presentes autos – em que esteja em causa o pedido de indemnização por privação da liberdade no âmbito de um processo criminal findo, entende o TEDH ser aplicável, como princípio geral – estabelecido desde o acórdão Minelli v. Switzerland, de 25 de março de 1983, n.º 8660/79, § 37, e confirmado por decisões posteriores - que a recusa ao arguido, após a conclusão do processo criminal na sequência de decisão de não prosseguir com o mesmo até ao fim (isto é, até ser pro- ferida uma sentença absolutória ou condenatória), do reembolso de custas ou de despesas necessárias ou de uma indemnização por prisão preventiva poderá «levantar um problema sob o ponto de vista do artigo 6.º, § 2, desde que as razões para tal não sejam dissociáveis do dispositivo e correspondam materialmente a um juízo positivo sobre a culpabilidade [ finding of guilt; constat de culpabilité ] do arguido sem que este tenha sido previamente condenado nos termos da lei e, em particular, sem que o interessado tenha tido oportunidade de exercer os seus direitos de defesa»; já a simples descrição ou referência por parte dos tribunais nacionais a um “estado de suspeição” [“ state of suspicion ”; “ état de suspicion ”] não será necessariamente incompatível com o artigo 6.º, § 2 pelos (cfr. acórdão Allen , cit., §§ 120-121). Porém, no acórdão Sekanina v. Austria, de 25 de agosto de 1983, n.º 13126/87, designadamente no seu § 30, o TEDH estabeleceu uma distinção entre os casos em que foi decidida a não prossecução do processo criminal até à sentença final e aqueles em que o arguido foi absolvido, «precisando que a expressão de sus- peitas [ voicing of suspicions ; l’expression de soupçons ] sobre a inocência de um acusado podia ser admitida [ was conceivable ; se concevait ] desde que a conclusão do processo criminal não se devesse a uma decisão sobre o mérito da acusação, mas que já não seria admissível apoiar-se sobre tais suspeitas após uma absolvição defini- tiva […]. Deste modo, o princípio afirmado no caso Sekanina parece tender a limitar o princípio estabelecido no caso Minelli referente às situações em que se verificou um não prosseguimento do processo criminal» (cfr. acórdão Allen , cit., § 122). E a referida distinção tem vindo a ser aplicada nos casos posteriores (cfr. ibidem ; vide também o acór- dão Bikas v. Germany , de 25 de janeiro de 2018, n. 76607/13, § 44), sem prejuízo de o TEDH reconhecer que a sua jurisprudência relativa ao artigo 6.º, § 2, da CEDH evidencia que não existe uma forma única de determinar as circunstâncias que, no âmbito de uma ação posterior ao encerramento do processo criminal, impliquem uma violação daquela disposição: a verificação de tal violação «depende, em larga medida, da natureza e do contexto do processo em que a decisão litigiosa foi proferida» (cfr. acórdão Allen , cit., § 125). Para a decisão do presente recurso releva especialmente a jurisprudência respeitante ao grupo de casos abrangido pelo acórdão Sekanina (vide, por exemplo, os acórdãos Asan Rushiti v. Austria , de 21 de março de 2000, n.º 23389, § 31; Lamanna v. Austria , de 10 de julho de 2001, n.º 28923/95, § 38; O. c. Norvège , de 11 de fevereiro de 2003, n.º 29327/95, § 39; Hammern v. Norway , de 11 de fevereiro de 2003, n.º 30287/96, § 47; Puig Panella c. Espagne , de 25 de abril de 2006, n.º 1483/02, §§ 50-52; Tendam c. Espagne , de 13 de julho de 2010, n.º 25720/05, §§ 36-41; Lorenzetti c. Italie , de 10 de abril de 2012, n.º 32075/09, §§ 44-47, Melo Tadeu c. Portugal , de 23 de outubro de 2014, n.º 27785/10, §§ 46-48, 57 e 59-60; ou Vlieeland Boddy et Marcelo Lanni c. Espagne, de 16 de fevereiro de 2016, n. os 53465/11 e 9634/12, §§ 39-40). Trata-se de situações em que a dimensão extraprocessual da presunção de inocência adquire um relevo ainda maior, uma vez que, conforme o TEDH tem entendido, «o disposivo de uma sentença absolutória deve ser respeitado por toda a autoridade que se pronuncie, de maneira direta ou incidental, sobre a responsabilidade penal do interessado ( Vassilios Stavropoulos , citado, § 39, Tendam , citado, § 37, e Lorenzetti , citado, § 46)» (assim, vide acórdão Allen , cit. § 102). Nesse sentido, vale a síntese conclusiva de Ireneu Cabral Barreto: «[A]pós a absolvição, a presunção de inocência não pode ser posta em causa noutros processos relacionados com o principal [– isto é: o processo penal em que a decisão absolutória foi proferida –], na medida em que as questões suscitadas naqueles constituem um corolário ou um complemento do processo principal onde o visado

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