TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020
297 acórdão n.º 284/20 «[D]o estrito objetivo da provisão de uma indemnização para compensação dos danos extraordinários resul- tantes da privação legítima e preventiva da liberdade, resulta incompreensível circunscrever as premissas compen- satórias àquelas em que a absolvição […] é devida à inexistência do facto acusado, que, além disso, teve que ser comprovada no processo criminal. O significado compensatório da provisão é alheio a saber se a ausência de uma sentença condenatória se deve ao facto de o ilícito não existir ou ser atípico, à ausência de conexão de autoria ou participação, à impossibilidade de provar além de qualquer dúvida razoável qualquer desses elementos, ou ainda à circunstância de ter havido legítima defesa ou outra causa de justificação. Nenhuma das circunstâncias acima afeta e, portanto, reduz o objetivo de compensar o sacrifício do preso. Todas estas situações de prisão preventiva não seguidas de condenação provocam o mesmo dano. Isso não implica que o legislador esteja proibido de estabelecer diferenças para fins de compensação em caso de absolvição […,] mas a diferença específica de tratamento introdu- zida pelas subseções questionadas, atinente à razão subjacente à não condenação estabelecida na sentença penal, é injustificada a partir do sentido da compensação que o preceito articula. Não se encontra fundamento algum para não ativar o mecanismo de reparação do sacrifício, criado para casos semelhantes». Tal conclusão vale, por identidade de razão, quanto à solução adotada no artigo 225.º, n.º 1, alínea c) , do CPP, na interpretação que é objeto do presente recurso. Nestes termos, a diferença de tratamento entre arguidos absolvidos ao abrigo do princípio in dubio pro reo e os que são absolvidos em virtude da prova da respetiva inocência ou da existência de causas de justi- ficação, que resulta da norma questionada, afigura-se arbitrária e desrazoável, sendo, por isso, violadora do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da CRP. 18. Idêntico juízo de inconstitucionalidade pode ser alcançado seguindo outra linha argumentativa, e que decorre igualmente das conclusões das alegações apresentadas no âmbito do presente recurso: a constitu- cionalidade da norma que constitui o respetivo objeto material vem, com efeito, sindicada à luz do princípio da igualdade e da presunção de inocência. Nesse sentido, considera o recorrente que «qualquer interpretação do estabelecido na alínea c) n.º 1 do artigo 225.º CPP que restrinja o exercício do direito à referida compro- vação positiva ou que o denegue por se sustentar em decisão absolutória ao abrigo do princípio in dubio pro reo » viola não apenas o princípio da igualdade, como também o princípio da presunção de inocência (cfr. as conclusões 14 e 15). Nestes termos, também o princípio da presunção de inocência constitui um parâmetro mobilizável no juízo sobre a presente questão de inconstitucionalidade. 19. É conhecida a articulação do princípio da presunção de inocência com o princípio in dubio pro reo : relativamente aos factos relevantes para a decisão do processo criminal, o juiz deve pronunciar-se de forma favorável ao arguido, sempre que ocorra um non liquet ou não supere a dúvida razoável quanto à prova dos mesmos (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit. , anotação VI ao art. 32.º, pp. 518-519; e Jorge Miranda e Rui Medeiros, ob. cit. , anotação XII ao art. 32.º, pp. 724-725). Esta é uma consequência da pre- sunção de inocência, pois de outro modo, a pronúncia desfavorável ao arguido, e no limite a sua condenação, implicariam um ónus a cargo daquele assente na presunção da sua culpabilidade. Com efeito, se, por força do princípio da investigação ou da verdade material, o tribunal tem o poder-dever de investigar o facto sujeito a julgamento independentemente dos contributos da acusação e da defesa, construindo autonomamente as bases da sua decisão (cfr. o artigo 340.º, n.º 1, do CPP), «a dúvida que fique aquém da razoável deverá ser valorada de forma favorável ao arguido, tanto mais que este se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação» (assim, vide Maria João Antunes, Direito Processual Penal, 2.ª edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 180). O significado do princípio da presunção de inocência não se esgota nas regras sobre a apreciação da prova. Longe disso. Proclamado no artigo 9.º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, sobretudo como reação contra os abusos do passado, com o sentido de exigir a não presunção de
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