TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020
296 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL compensar o sujeito que suportou, sozinho, as desvantagens decorrentes da necessidade de salvaguarda de determinados bens jurídico-constitucionais, a favor da comunidade. É neste quadro que cabe questionar se as vicissitudes do processo penal poderão, de alguma forma, relevar, deslocando o termo de comparação da alegada relação de igualdade, aqui em valoração, em termos suscetíveis de objetivamente justificar a não comparabilidade das absolvições e das pretensões indemnizató- rias, em função da fundamentação daquelas. Ora, considerando a caraterização que se fez da intenção do legislador e da finalidade da indemnização criada com a Lei n.º 48/2007, não se compreende a opção pela exclusão de certos cidadãos do âmbito sub- jetivo de uma medida que visa compensar os danos sofridos em virtude da privação preventiva da liberdade (ainda que legítima), em função de factos e escolhas a que o indemnizado pode ser completamente alheio, e que dependem quer do desenrolar do processo penal e da prova produzida em julgamento (que compete, desde logo, ao Ministério Público, e não ao arguido), quer da convicção do juiz e das razões que este eleja para fundamentar a sua decisão. Recorde-se que, nos termos do princípio da presunção de inocência, a que já se aludiu, não cabe ao arguido provar, em juízo, a sua inocência, nem mesmo carrear provas para o processo que permitam estabelecê-la. Cabe, pelo contrário, ao Estado, pela mão do Ministério Público, provar, além de qualquer dúvida razoável, a autoria dos ilícitos típicos e a culpa do arguido. Tal não sucedendo, o arguido fica, do ponto de vista da responsabilidade penal, como sempre esteve, à luz do ordenamento jurídico- -constitucional: inocente. Não se vê, pois, como as circunstâncias concretas que conduzem à constatação da inalterabilidade desta inocência possam fazer decair o propósito da indemnização por prisão preventiva, posto que em nada influem no sacrifício que naturalmente decorreu da privação de liberdade. Na verdade, esse sacrifício existe sempre, quer quem o sofre seja culpado, quer seja inocente. A diferença é que, comprovada a culpa, a priva- ção preventiva de liberdade fica justificada. Quando tal não acontece, carece de fundamento a imputação ao sujeito que foi arguido em processo penal da totalidade do ónus que se entendeu indispensável a um desen- volvimento eficaz e adequado do processo e à realização da justiça penal. 17. Não sendo a diferenciação operada pelo legislador justificada à luz da razão de ser do regime indemni- zatório, poder-se-ia ainda indagar acerca da existência de outros fundamentos político-legislativos passíveis de fundamentar uma distinção como a que decorre da norma questionada. Com tal norma poderia, talvez, o legis- lador, querer assegurar-se, com o máximo grau de certeza possível, da verificação efetiva do facto indemnizável. Todavia, como já se explicou, esta explicação não afasta cabalmente a qualificação da diferenciação em causa como arbitrária, uma vez que o pressuposto da indemnização, o dano que lhe dá origem, consiste no sacrifício sofrido em virtude do período de privação da liberdade a que o arguido foi submetido a título preventivo. Por outro lado, os diferentes fundamentos da sentença absolutória também não constituem um indica- dor de que o arguido tenha dado, total ou parcialmente, origem ao dano sofrido, em virtude do seu compor- tamento antes do processo penal, ou no seu decurso. A mobilização do princípio da presunção de inocência – e não da convicção do julgador acerca da inocência efetiva do arguido – enquanto parâmetro decisório pode dever-se a uma miríade de diferentes circunstâncias. Transformar este facto em critério diferenciador, para efeitos de atribuição da indemnização, equivale a erigir em pressuposto do direito ao ressarcimento do dano sofrido em virtude da prisão preventiva a prova, efetiva, da inocência do arguido; ora, ainda que tal inocência se verificasse, indubitavelmente, no plano da verdade dos factos, pode ser impossível a sua compro- vação no plano da verdade do processo; e, em qualquer caso, esta exigência afigura-se como desproporcional, ponderados os direitos e valores jurídico-constitucionais que justificam a indemnização. Em sentido idêntico pronunciou-se também o plenário do Tribunal Constitucional espanhol na Senten- cia 85/2019, de 19 de junho de 2019, relativamente ao artigo 294.1 da LOPJ, reiterando decisões anteriores, nomeadamente as STC 8/2017 e 10/2017 [“STC 85/2019”, publicada no Boletín Oficial del Estado , de 25 de julho de 2019, pp. 81033 e seguintes; vide em especial, o n.º 7 da secção II (Fundamentos jurídicos)]. A pro- pósito daquele preceito, e da análise que do mesmo realizou, o Tribunal Constitucional concluiu o seguinte:
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