TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020
295 acórdão n.º 284/20 se mostrem, pelo seu conteúdo, “racionais”. O que lhe cabe é apenas impedir que elas estabeleçam regimes desra- zoáveis, isto é, disciplinas jurídicas que diferenciem pessoas e situações que mereçam tratamento igual ou, inver- samente, que igualizem pessoas e situações que mereçam tratamento diferente. Só quando for negativo o teste do “merecimento” – isto é, só quando se concluir que a diferença, ou a igualização, entre pessoas e situações que o regime legal estabeleceu não é justificada por um qualquer motivo que se afigure compreensível face a ratio que o referido regime, em conformidade com os valores constitucionais, pretendeu prosseguir – é que pode o juiz cons- titucional censurar, por desrazoabilidade, as escolhas do legislador. Fora destas circunstâncias, e, nomeadamente, sempre que estiver em causa a simples verificação de uma menor “racionalidade” ou congruência interna de um sis- tema legal, que contudo se não repercuta no trato diverso – e desrazoavelmente diverso, no sentido acima exposto – de posições jurídico-subjetivas, não pode o Tribunal Constitucional emitir juízos de inconstitucionalidade. Nem através do princípio da igualdade (artigo 13.º) nem através do princípio mais vasto do Estado de direito, do qual em última análise decorre a ideia de igualdade perante a lei e através da lei (artigo 2.º), pode a Constituição garan- tir que sejam sempre “racionais” ou “congruentes” as escolhas do legislador. No entanto, o que os dois princípios claramente proíbem é que subsistam na ordem jurídica regimes legais que impliquem, para as pessoas, diversidades de tratamento não fundados em motivos razoáveis». 16. Para proceder ao juízo que se impõe, cabe considerar, desde logo, o fundamento e a finalidade da solução legislativa ora em causa, e o critério distintivo adotado pelo legislador. Ora, a comparabilidade ou não comparabilidade das absolvições criminais fundadas na inocência com- provada do arguido e na ausência de prova da sua culpabilidade, essencial para formular um juízo sobre a legitimidade da diferença de tratamento daquelas duas situações à luz do princípio da igualdade, depende, desde logo, do sentido e alcance do princípio da presunção de inocência. É este o elemento fundamental para esclarecer se o termo de comparação consiste imediata e obrigatoriamente na absolvição – caso em que o genus proximum é constituído pelo universo dos absolvidos em processo crime –; ou se as vicissitudes do próprio processo criminal (ou, posteriores à absolvição definitiva proferida no âmbito deste) também podem relevar em função de outros objetivos político-legislativos – caso em que será possível sustentar a não com- parabilidade das absolvições, por exemplo, em razão dos respetivos fundamentos. Numa análise preliminar, parece correto afirmar que o termo de comparação deve ser constituído pelos absolvidos em processo crime, já que todos se encontram em situação comparável, do ponto de vista do dano que a indemnização por prisão preventiva visa reparar. Efetivamente, as consequências negativas da privação de liberdade são idênticas, independentemente da fundamentação da sentença de absolvição. Ainda que o sacrifício imposto se entenda justificado, do ponto de vista da concordância prática entre bens jurídico- -constitucionais, para garantir a eficácia processual, a realização da justiça penal, a segurança e até a liberdade de outros membros da comunidade, a compensação desse mesmo sacrifício parece ser devida a todos os que o suportaram, não se prefigurando como justificação objetiva da diferenciação um facto – a fundamentação da sentença absolutória – que não está na disposição do sujeito e que em nada altera a medida ou intensidade dos danos sofridos. Ao prever que a indemnização, em caso de prisão preventiva legal, só será atribuída ao arguido que, comprovadamente, não foi agente do crime ou atuou ao abrigo de uma causa de justificação, a norma da alínea c) do n.º 1 do artigo 225.º do Código de Processo Penal parece deslocar a ratio da medida da compensação pelo sacrifício da privação de liberdade para uma compensação pela dúvida em relação à inocência do arguido. No entanto, e como acima se deu conta, não é nesses termos que se configura a indem- nização em causa, que visa ressarcir o sacrifício, de especial intensidade, suportado pelo arguido. Não se olvida que o legislador tem amplo espaço de conformação, no que respeita ao desenho do regime jurídico do direito à indemnização, independentemente da posição que se adote sobre a obrigatoriedade de uma indemnização por prisão preventiva decretada nos termos da lei. Pode, por exemplo, estabelecer cri- térios diferenciadores quanto ao montante indemnizatório, bem como diferentes critérios de cálculo, que levem ou não em conta, além do sofrimento inerente à privação de liberdade, prejuízos materiais provocados pela mesma. Contudo, não deve perder de vista a finalidade última do regime indemnizatório, que visa
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