TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020

294 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Foi o que sucedeu no presente caso. Com efeito, o tribunal de primeira instância, em sede de especi- ficação da matéria de facto dada como provada para efeitos da ação de indemnização, transcreveu excertos importantes do despacho que aplicou ao ora recorrente a medida de coação, do acórdão da Relação de Coim- bra que o confirmou e da sentença absolutória, em especial, dos fundamentos pelos quais os factos crimino- sos imputados ao arguido na acusação foram julgados não provados. Estas transcrições foram reproduzidas no acórdão ora recorrido, permitindo ao tribunal a quo infirmar a alegação feita pelo autor, ora recorrente, em ordem a preencher o pressuposto legal do artigo 225.º, n.º 1, alínea c) , do CPP, de que a sua absolvição resultara «de absoluta ausência dos factos ilícitos e, mesmo, da demonstração de que não os praticou», nos termos seguintes: na «decisão da matéria de facto, o saneador-sentença recorrido não julgou provad[a] aquela matéria de facto [– alegada pelo então autor –], considerando expressamente não provado que “a absolvição do A. resulta da demonstração de que não praticou os factos de que ia acusado”» (cfr. supra o n.º 1). Cabe, face a isto, indagar, antes de mais, se a mobilização da fundamentação da sentença absolutória enquanto critério delimitador da titularidade do direito a indemnização por prisão preventiva legal, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 225.º do CPP, se afigura compatível com o princípio constitucional da igualdade.  15. Reconhecido, desde sempre, pelo Tribunal Constitucional, como princípio estruturante do ordena- mento constitucional, o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da CRP, tem sido reconduzido, antes de mais, a uma ideia de proibição do arbítrio no estabelecimento de distinções juridicamente relevan- tes, não anulando a liberdade de conformação do legislador, sempre que este não opte por critérios arbitrários (veja-se, neste sentido, uma vasta jurisprudência deste Tribunal, bem representada pelos Acórdãos n. os 39/88, 186/90, 563/96, 409/99, 412/02, 232/03, 546/11, 187/13, 362/16, 157/18 e 134/19). Nestes termos, o princípio obriga o legislador a tratar de forma igual situações de facto substancialmente idênticas, forçando-o a fundamentar quaisquer diferenças de tratamento em razões objetivamente fundadas, e justificadas por valores constitucionalmente relevantes. A admissibilidade constitucional das distinções entre situações aparentemente semelhantes pressupõe, assim, uma valoração casuística dos elementos de comparação – tendo em mente que o princípio da igualdade pressupõe inelutavelmente uma dimensão relacional, de confrontação entre dois termos –, de modo a determinar a relevância, importância e medida de eventuais diferenças. Esta averiguação é, pois, indispensável, para a ponderação acerca da razoabilidade e adequação dos critérios de diferenciação face ao ordenamento jurídico-constitucional. No concreto caso que nos ocupa, é necessário avaliar se a consagração do critério de fundamentação da absolvição como elemento constitutivo do direito à indemnização por prisão preventiva legal configura, ou não, uma diferença de tratamento arbitrária; assim, deve decidir-se se o facto de o legislador ter entendido não indemnizar os cidadãos privados – provisoriamente e em condições de cumprimento da lei –, da sua liberdade, em virtude de o processo no qual foram arguidos ter terminado com uma decisão de absolvição fundada no princípio in dubio pro reo , ao mesmo tempo que indemniza outros, sujeitos a idêntica privação, mas absolvidos com fundamentos distintos, vulnera o princípio constitucional da igualdade. Devem, além disso, considerar-se as consequências jurídicas da distinção operada, cujos resultados não podem afigurar- -se desproporcionados ou excessivamente gravosos – consubstanciando, sucintamente, uma diferenciação desrazoável. Como bem sintetiza o Acórdão n.º 546/11: «[É] ponto assente que o n.º 1 do artigo 13.º da CRP, ao submeter os atos do poder legislativo à observância do princípio da igualdade, pode implicar a proibição de sistemas legais internamente incongruentes, porque inte- grantes de soluções normativas entre si desarmónicas ou incoerentes. Ponto é, no entanto – e veja-se, por exemplo, o Acórdão n.º 232/03, disponível em www.tribunalconstitucional.pt – que o carácter incongruente das escolhas do legislador se repercuta na conformação desigual de certas situações jurídico-subjetivas, sem que para a medida de desigualdade seja achada uma certa e determinada razão. É que não cabe ao juiz constitucional garantir que as leis

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